Por João Borba – 25 de julho de 2006 – artigo 03, vol. 1
(originalmente publicado em www.eleicao.info)
O que é agir eticamente?
A ética diz respeito ao modo como avaliamos que as pessoas deveriam ou não deveriam agir. Dizemos que está sendo ético quem age da maneira correta, e antiético quem age como não deveria. Uma ação ética não é o mesmo que uma ação eficaz, nem é tampouco uma ação que satisfaz os nossos próprios interesses. Pode haver coincidência entre essas coisas, mas pode não haver.
Uma pessoa pode saber perfeitamente e sem a menor sombra de dúvida que é impossível salvar uma criança que foi levada pela enxurrada em uma inundação, porque ela já está longe demais. E mesmo assim, essa pessoa pode achar que seria antiético ficar ali parada, olhando. Por um impulso ético, pode achar que deve pelo menos tentar salvar a criança, porque sente que é o certo a fazer, mesmo sabendo que é impossível.
Uma ação também não deixa necessariamente de ser ética quando prejudica o agente. A pessoa pode agir eticamente mesmo sabendo que sairá prejudicada. Digamos que existisse alguma chance de salvar a criança na enxurrada, mas muito pequena, e quem tentasse tivesse grandes chances de acabar morrendo junto com ela. Mais do que isso, digamos que a morte fosse quase certa se tentasse salvar a criança. Alguém poderia pular na água mesmo assim, com perfeita consciência de estar arriscando a própria vida, apenas por achar que isso é o certo a fazer.
Dever e liberdade de decisão
Essa pessoa do nosso exemplo está agindo de acordo com seus próprios valores morais, de acordo com aquilo que ela considera uma boa maneira de agir, acredita estar fazendo um bem. Talvez esteja fazendo o que acha que todos deveriam fazer, talvez não. Talvez não ache que todos deveriam pensar do mesmo modo. Mas provavelmente está fazendo o que acha que tem o dever de fazer, mesmo que talvez outros tenham o direito de não considerar isso um dever. Muitas vezes a ética está ligada a esse sentimento de dever.
Mas esteja ou não, parece estar sempre ligada a uma decisão que, em última instância, é da própria pessoa. Se ela faz algo muito bom (ou evita fazer algo ruim), mas só porque mandaram que agisse desse modo (ou por medo de alguma punição), neste caso não está de fato agindo eticamente. Só existe dever ético se a própria pessoa decide ou aceita e concorda que aquilo é um dever.
Não estou defendendo nenhuma tese aqui, ou pelo menos não propositalmente. Estou apenas procurando descrever o que se costuma chamar de “ética”. Há quem não aceite por exemplo que exista realmente essa “liberdade de decisão”, e ache que somos todos como pedrinhas rolando no fundo de um rio, ao sabor das águas… pedrinhas que pensam que têm vontade própria, mas no fundo são apenas mais uma peça na grande engrenagem da natureza. Talvez as coisas sejam assim, talvez não exista liberdade. Mas ilusoriamente ou não, a noção de “ética”, aquilo que se costuma reconhecer por esse termo, envolve essa noção de uma “liberdade de decisão” (os católicos dizem “livre arbítrio”, mas o termo me parece restrito e enquadrado demais no catolicismo, por isso só descreve a coisa para os católicos).
Os filósofos que não aceitam que exista uma “liberdade de decisão”, mas não desistirem simplesmente de dar valor e atenção às questões de ética, têm um desafio especialmente saboroso a enfrentar ? porque é difícil desenvolver uma noção de ética que não se apóie em algum sentido de liberdade. É algo que Nietzsche, por exemplo, parece ter tentado. Para ele não há exatamente decisão nossa: são aglomerados de forças e impulsos irracionais em nós que decidem por nós.
Valores
Um valor moral é uma espécie de avaliação, em que a pessoa decide o quanto uma ação deve ser valorizada como sendo um bem ou deve ser rejeitada e evitada como um mal. As ações éticas e antiéticas são orientadas por essas avaliações, por esses valores. Isso é fácil de entender: se tudo tem o mesmo valor, não há por que irmos para uma direção ao invés de outra, mas se certas coisas têm um valor positivo, podemos orientar as nossas ações para caminharmos na direção delas, e também no sentido de nos afastarmos das coisas que têm um valor negativo.
As pessoas são éticas quando suas ações concordam com os valores (se movem em direção ao que é “bom” e se afastam do “mal”), e antiéticas quando contradizem esses valores (ou seja, quando fazem ou tentam fazer o que é um “mal” e se desviam do que seria o “bem”). Não é nenhum absurdo dizer que há uma certa contradição em ser antiético. Quando pensamos melhor no assunto, pode parecer estranho dizer que uma ação contradiz um valor moral, afinal, são duas coisas de categorias tão diferentes! A ação acontece no mundo, externamente, em atrito com outras ações de outras pessoas, enquanto os valores morais são da categoria das ideias, dos sentimentos, dos pensamentos. Como um pode contradizer o outro? Como um suspiro pode contradizer um tijolo? No entanto, alguma coisa nos diz que essa contradição existe, a ideia dessa contradição faz parte da própria noção de ética.
Como isso é possível? É que toda ação tem sempre e necessariamente algum sentido, isto é, tem algum movimento, avança de uma situação para outra. Avança no sentido dessa outra situação, e portanto, tem pelo menos esse sentido. O sentido de uma ação ou movimento é aquele que parte da situação anterior e aponta para uma outra situação. O conservadorismo, por exemplo, não tem sentido, ele quer apenas conservar as coisas como estão, e todas as ações que no fundo se organizam em favor da conservação de algo, só têm sentido num primeiro momento, enquanto não atingem o seu objetivo maior, o seu sentido último, que é chegar a uma situação que não faz mais sentido, porque não se move em nenhuma direção. Se esse conservadorismo, por sua vez, tem ocultamente algum outro sentido mais profundo, se aponta para algo, então já não é exata, plenamente e até o fundo um “conservadorismo”.
O movimento da mão que segura uma rosa, quando vai em direção a uma pessoa, não avança apenas fisicamente no sentido dessa pessoa, mas também no sentido do amor, do carinho ou da amizade, e portanto tem esses dois sentidos, o físico e o simbólico, emocional. O que estou dizendo é que que os dois sentidos podem ser tratados da mesma maneira, matematicamente, como o sentido de um vetor, de uma seta, e que isto nos ajuda a entender mais claramente por que dizemos que uma ação pode contradizer um valor, que parece ser algo de uma categoria tão diferente.
É que neste sentido (e o exagero no uso da expressão aqui é proposital), podemos dizer que toda ação, aliás todo movimento em geral, tem um valor intrínseco, embutido, implicado, na medida em que se afasta de uma situação (o que significa dar valor negativo a ela) e se aproxima de alguma outra (dando-lhe um valor positivo). E isto significa que toda ação ou movimento tem indiretamente algum valor, valoriza alguma situação — ou mais precisamente tem todo um jogo de valores complexo e muitas vezes bastante contraditório. E é justamente isso o que os valores dão à ação: um sentido. Deste ponto de vista, ação (ou movimento), sentido e valor são três faces de uma mesma moeda (…se me permitem a excentricidade de imaginar uma moeda com três faces!). Assim, não se trata realmente de uma contradição entre coisas de categorias diferentes. Na ação antiética temos uma contradição entre valores apenas pensados, que não se “materializaram” em ação, e os valores que estão inscritos em uma ação ou movimento que se realiza de fato.
O primeiro problema que costuma gerar as controvérsias e os debates éticos, é que as pessoas não agem orientadas pelos mesmos valores, não concordam umas com as outras quanto ao que deve ser considerado eticamente “positivo” e o que deve ser considerado eticamente “negativo”. E esse desacordo não está só nas ações e nos valores que estão embutidos nelas conscientemente ou não, mas também no modo como as pessoas avaliam as ações como “éticas” ou “antiéticas”. Existem valores em relação aos quais o acordo é ou parece ser mais fácil, porque combinam com os costumes da maioria, também porque não estamos acostumados a examinar os detalhes, onde os desacordos costumam aparecer mais facilmente. Mas se sairmos dos exemplos clássicos de ação ética ou antiética e prestarmos atenção às situações reais do dia a dia, veremos que na maioria dos casos não é tão fácil decidir se uma ação é a mais ética ou não, ou mesmo se não chega a ser antiética. O que parece um bem para certas pessoas, frequentemente parece um mal para outras, e vice-versa.
Os agentes éticos
Mas as complicações que envolvem os debates sobre ética não param aí: será que só uma pessoa pode ser ética ou antiética? — É claro que não. Um grupo, uma coletividade como um todo, também pode se comportar de maneira ética ou antiética. São dois tipos diferentes de agente ético, o indivíduo e a coletividade. E um indivíduo pode facilmente se sentir contraditório ou em conflito moral quando seus valores não concordam com os de uma coletividade da qual ele faz parte, porque se vê forçado a confrontar esses dois jogos de valores e, frequentemente, a decidir por um deles. Se isto parece complicar bastante as coisas, há um fator complicador ainda maior… é que também existe um terceiro tipo importante de agente ético: as instituições. Uma instituição não é a mesma coisa que uma coletividade.
Examinemos primeiro a relação entre o grupo e o indivíduo. Em um partido, por exemplo, temos cada um dos filiados com a sua ética individual, seu próprio jogo de valores morais, e temos também o conjunto de todos os filiados, que juntos, formam uma massa de pessoas com um certo jogo de valores que é desse conjunto de pessoas como um todo. Esse jogo de valores pode coincidir ou não com os valores dos seus filiados individualmente, e provavelmente vai exercer pressões sobre os indivíduos em uma direção ou em outra. Se o indivíduo concorda com os valores do grupo político a que pertence, não se sentirá pressionado, porque seus próprios valores o impulsionam na mesma direção. Mas não é sempre isso o que acontece.
Agora examinemos a presença desse terceiro agente ético que mencionei: a instituição. A situação que descrevi acima se torna mais complexa e interessante quando começamos a perceber que o partido, enquanto instituição, tem uma identidade própria relativamente independente de todo esse conjunto de pessoas que são os seus filiados, mesmo quando os consideramos como um único todo. O partido é uma instituição que tem a sua própria estrutura e seus próprios padrões de procedimento e funcionamento. Ele age e se move segundo uma lógica própria que adquiriu com o tempo, conforme se desenvolvia como partido, e portanto, tem todo um jogo de valores enquanto partido, inscritos em suas formas de agir, e que, curiosamente, também podem não coincidir com os valores dessa massa de filiados considerada como um todo. O mesmo vale para um sindicato, uma empresa, um órgão público ou qualquer outra instituição.
O grau dessa independência de uma instituição em relação aos seus membros, por exemplo de um partido em relação a seus filiados individualmente e em conjunto, pode variar de um caso para outro, e de uma fase para outra ao longo da história do partido. Mas parece líquido e certo que um partido não é meramente o conjunto de seus filiados: doa a quem doer, é preciso reconhecer que se trata de uma instituição que tem suas próprias características, e frequentemente, para o melhor ou para o pior, elas não se alteram com a saída de seus membros. Por outro lado, isto também não é uma regra absolutamente invariável, e dependendo das circunstâncias — dependendo sobretudo do grau de institucionalização que o partido já chegou a atingir — a saída de certos membros pode acabar conduzindo realmente a uma grande mudança, conforme o poder de influência sobre a instituição que o posicionamento estrategicamente lhes dava.
O grau de independência que a instituição adquire em relação a seus membros pode não ser (e geralmente não é) exatamente o mesmo em relação a cada um desses membros. Tudo depende de como se estruturam ou organizam as relações entre a instituição — em seu processo de institucionalização e fixação de diretrizes e procedimentos —, o conjunto de seus membros como um todo, e os diferentes membros considerados individualmente e segundo as posições que podem ocupar formal ou informalmente em toda essa estrutura. Poderíamos complicar ainda mais as coisas falando em pequenos subgrupos entre o grande grupo e os indivíduos, mas penso que com a menção a esses três tipos de agentes éticos já exploramos o suficiente a questão para termos uma ideia da rede de relações de que estou falando.
As pessoas podem ir saindo uma a uma de um partido com o tempo, até a última pessoa daquele grupo original, e mesmo assim, pode acontecer de o partido continuar exatamente com a mesma identidade, as mesmas diretrizes etc., enfim, ser o mesmo partido, o mesmo agente ético institucional, com seus próprios valores morais e padrões de procedimento éticos ou antiéticos, independentemente daqueles que são defendidos pelos filiados individualmente ou mesmo conjuntamente, como um grupo coeso. E dependendo do ponto de vista, podemos considerar isto como um bem ou como um mal.
A instituição como um “aparelho” com funcionamento próprio
A questão do agente ético institucional e de sua independência em relação à coletividade (que imagina estar no controle, e se espanta quando se dá conta de que não está) talvez mereça um exemplo mais claro, porque nem sempre é algo muito fácil de assimilar — ou de “engolir”, mesmo quando conseguimos compreender… às vezes é água demais para a garganta de quem vivencia essa desconexão entre os valores de uma instituição e os valores de seus membros. Às vezes se quer gritar de desespero, mas há o risco de engolir mais do que se pode.
Falemos então de um caso notório que tem circulado nos jornais. Recentemente, um intelectual de esquerda passou a fazer declarações de que a política interna se tornou irrelevante no Brasil, porque os rumos do país estão passando a ser determinados por um mecanismo econômico global. O que ele está descrevendo, na verdade, é apenas uma dessas circunstâncias em que um certo setor das atividades que governam o rumo do país — um setor importante — adquiriu um alto grau de institucionalização e desprendimento em relação aos valores das pessoas e coletividades envolvidas, talvez participando de um processo de institucionalização desse setor em nível global.
O filósofo Vilém Flusser apresentou, já há bastante tempo, uma análise bastante interessante desse tipo de fenômeno que vem historicamente ganhando terreno em todo o mundo, em seu livro Filosofia da caixa preta (há uma edição de 1985, pela Hucitec, e uma de 2002, pela Relume-Dumará). Na verdade é uma análise bem mais pessimista que a do intelectual mencionado no parágrafo acima. Flusser encarava isto como um processo global de desumanização em que nossas ações vão sendo absorvidas pela dinâmica de grandes aparelhos (o aparelho econômico no caso).
Tais aparelhos têm um funcionamento próprio independente de nossa vontade, e no qual acabamos figurando como peças ? “funcionários”, é o termo usado por Flusser — que exercem nesses aparelhos a função randômica, a função de produzir movimentos aleatórios dentro deles. Ou seja, nossas ações passam a ter apenas a função de “sortear” ao acaso entre alternativas que já estão pré-inscritas no funcionamento geral do aparelho, de modo que já não agimos de fato, com toda a carga de liberdade que está implicada no termo “ação”, mas apenas “funcionamos”.
Mas indo um pouco além do que o Flusser nos indicou, eu diria que esse funcionamento do aparelho institucional, como já vimos, também segue determinados valores, explícitos e registrados em suas diretrizes, ou implicitamente inscritos no modo como foram se organizando seus padrões de comportamento ao longo do tempo. É um agente ético relativamente — e às vezes muito — independente da coletividade que atua em seu interior. Assim como essa coletividade considerada como um todo, por sua vez, também tem os seus próprios valores que são relativamente independentes dos valores individuais de cada um de seus membros.
O agente ético precisa lidar não apenas com os seus próprios valores, mas também com os possíveis — e prováveis — conflitos entre seus valores e os valores de diversos outros agentes em todos esses níveis, no nível individual, no coletivo ou no institucional. Quando há — e dificilmente não há — desacordo entre os valores de todos os agentes envolvidos, quais os valores que devem prevalecer? Como deve se dar a negociação entre os diferentes jogos de valores envolvidos em cada situação? — Esta é uma questão fundamental em ética.
Dilemas
A dúvida entre valores morais a seguir, diante de situações que nos pressionam em sentidos opostos, é o que chamamos em ética de dilema. Os dilemas morais (ou dilemas éticos) têm uma importância muito especial. Exercem um papel fortemente educativo, e para quem se preocupa de fato em agir eticamente, a presença educativa desses dilemas tende a parecer muito intensa. Os dilemas educam porque fazem com que as pessoas — quando não fogem da questão que está aí para ser enfrentada e realmente tentam encontrar uma saída — aprofundem a sua reflexão e a sua sensibilidade em relação aos problemas morais.
Digamos, por exemplo, que não seja uma criança sendo levada por uma enxurrada numa inundação, mas a imagem pública de um amigo e colega de partido sendo arrastada pela mídia sem provas. Digamos que nem mesmo você sabe se o amigo é culpado ou não. Meter-se a defendê-lo é arriscar-se a sujar o próprio nome. Mas isto geralmente não vem ao caso se estamos falando de ética (embora haja exceções, filósofos como Nietzsche e Max Stirner, para quem mesmo pensando eticamente isto vem ao caso sim).
O problema é: que atitude tomar? O que deve ser colocado em primeiro lugar? Quais são os valores mais positivos e entre eles quais os mais importantes? O que vale mais, em termos éticos: defender um amigo a todo custo? Digamos que o partido tenha decidido “queimar” seu colega e amigo para livrar-se da ira santa da mídia, porque sem isto não poderia seguir defendendo a causa que defende. Mas digamos que o interesse do partido esteja sincera e realmente em preservar as condições, em um momento político crucial, para poder seguir defendendo a causa. Que atitude tomar? Ser fiel ao partido e à causa a todo custo?
Sabemos que a mídia no Brasil tem uma tara difamatória e autoritária assustadora, e costuma atropelar o direito à defesa das pessoas. Mas essa tara difamatória e autoritária, por outro lado, parece de fato eficaz (e bastante) contra grande parte da corrupção, apesar de frequentemente vitimar inocentes ou culpados de pequenos delitos talvez perdoáveis no caminho, e destruir belas carreiras públicas… supondo que haja pequenos delitos perdoáveis, o que também é uma questão de valores bastante delicada. O que fazer então? Ser fiel à constituição e às leis do país, que dão direito à defesa e penas diferenciadas, e reprovar a atitude da mídia? Ou lutar contra a corrupção a todo custo e apoiar a mídia, contra o partido e contra o amigo?
Ou, para pensarmos à maneira de Stirner e Nietzsche, lutarmos a todo custo contra todas essas forças que procuram amortecer os nossos impulsos vitais e nos fazer sentir culpados não importa o que façamos ou deixemos de fazer? Pensando nietzscheana ou stirnerianamente, talvez fosse o caso de lutar contra as forças da mídia, do partido, dos grupos e das nossas próprias fraquezas e “carolices” morais, até mesmo as que nos ditam o “dever” de ajudar um amigo que, afinal, é dono de seu próprio nariz!
Seja qual for a nossa escolha, o cálculo das vantagens e desvantagens de uma atitude ou de outra, aqui, não tem absolutamente nada de ético, a menos que os valores éticos sejam colocados acima das vantagens e desvantagens, e elas só sejam pensadas a partir deles — e isto vale mesmo para Nietzsche ou Max Stirner, porque eles não fogem da questão dos valores morais: eles (e especialmente Stirner) transformam o próprio cálculo das vantagens e desvantagens em um modo de defender certos valores morais.
Mas na vida real, para além dos exemplos mais habituais que costumamos examinar, os valores éticos dos diferentes agentes (éticos ou morais, aliás, porque aqui não estou diferenciando uma coisa da outra) e até os valores de um mesmo agente, não indicam todos a mesma linha de ação. E este é o ponto mais interessante. Muitas vezes um valor ético exige uma atitude incompatível com aquela que é exigida por um outro valor. Qual é o valor mais importante? A constituição e as leis democráticas? A luta contra a corrupção? A fidelidade a uma causa? A um partido? A um amigo?
(Um último ponto: pessoas formadas em filosofia, como é o meu caso, têm a tendência de articular direta ou indiretamente as coisas que dizem umas com as outras, mesmo quando se trata de artigos que fazem sentido lidos isoladamente. Então, gostaria de convidar o leitor a pensar a respeito destes elementos para uma discussão ética também a partir da ideia de que o político não é exatamente uma pessoa, mas uma composição de pessoa e instituição — aquela instituição que em outros artigos neste site chamei de “representante”…)
Fica lançada a discussão.