O que é “esquerda” hoje? O que é “direita” hoje?
Pessoalmente, não considero o PT exatamente um partido de “esquerda”… mas reconheço que nisto sou exceção, porque a maioria acha que sim.
O que é interessante notar, é que o PSDB já foi considerado “esquerda” moderada, antes de passar a ser considerado “centro-esquerda” e de agora tender cada vez mais a ser considerado “direita”. As pessoas têm memória curta, mas o fato é que o eixo intermediário de definição do que é “esquerda” e do que é “direita” tende a mudar com o tempo nas democracias.
No Brasil o eixo se deslocou todo para a esquerda, deixando cada vez mais à “direita”o que antes era classificado de outro modo. Suspeito que mudará ainda mais nessa mesma direção nas próximas décadas, porque nada de realmente profundo indica qualquer mínimo sinal em outra direção apesar de tudo o que está acontecendo na presente superfície político-jurídica (o que significa um provavel aprofundamento da crise de descrédito nas instituições com o tempo se as direitas conseguirem aprofundar sua virada de tomada do poder.
Culturalmente, a direção da população como um todo é a oposta. Por uma razão muito simples: o tempo que passamos em escravidão e ditaduras vai diminuindo em termos de presença nas marcas que essa porcaria do nosso passado deixou. Vai diminuindo geração após geração. O tempo de vivência democrática, ainda bem curto, vai aumentando cada vez mais.
E a viência democrática é incomparavelmente mais intensa para as pessoas no dia a dia em termos de vivência consciente e política das coisas do que em tempos de ditadura e escravidão, de modo que dez anos em democracia equivalem a muito muito muito mais que dez anos de escravidão em termos de aprendizado politico e “ativação” da cidadania em sentido mais efetivamente ativo, mais participativo. Em suma. O eixo está se deslocando ainda mais para a esquerda, e vai se deslocar cada vez mais.
O que é preciso compreender é que deslocamentos assim são naturais na dinâmica das democraciias (mesmo na das representativas, que pessoalmente mal considero democráticas, mas estou procurando pensar aqui a partir de referências mais comuns, não das minhas, que são confesso que excêntricas).
Deslocamentos assim em democracias são naturais, mas podem ocorrer de forma dolorosa para a população, ou de forma menos dolorosa. São dolorosos quando constantes e incessantes de modo a revolverem tudo sem deixar nenhuma base de segurança mais duradoura a respeito de como as coisas, digamos assim, “são”. Porque isso gera o que Durkheim chamava de “anomia”, uma dolorosa sensação de falta de consições estáveis para simplesmente se encaixar nelas e de algum modo, viver. Só loucos de pedra como eu, ou como anarcas que conheço, por exemplo, suportam processos de mudança incessantes, e menos ainda se oscilam pra lá e para cá, fazendo perdermos a segurança de que pelo menos o caminh, o processo, tenha um sentido estável, caminhando sempre na mesma direção.
Precisamos aprender que em democracias, é preciso avançar nas transformações por patamares. Estabelecer um eixo que dure por um certo tempo, depois deslocá-lo para outro patamar, quando a população já tiver “respirado” e se restaurado, e assim por diante.
Há muito ainda a aprender quanto ao que significa “revocucionar quando se pretende isso dentro de esquemas democráticos. E não, isto não é “reformismo”. Porque é, elo contrário, o que garante alguma efetiva irreversibilidade nas transformações. A estabilidade que se atinge por algum tempo tendo atingido um certo patamar de transformações. ideia marxiana de que há um processo histórico que irá necessariamente caminar em tal direção até uma grande revoliução final… é furada. e em alguns aspectos eu diria que até delirante. Os retrocessos são possíveis sim, mas mas dificilmente ocorrem pulando muitos patamares de transformações antes realizadas, o que dá condições para lutas de retomadas.