Por João Borba – 24 de junho de 2013 – artigo 4, vol. 2
Por que tem gente que difama os manifestantes chamando-os de neofascistas.
O MPL fala de “grupos neofascistas” querendo controlar o movimento. Quem quer que tenha ido às passeatas sabe que isto é baboseira: todos querem controlar o movimento, à esquerda e à direita, de um modo ou de outro. E o movimento continua vivo porque cada um também quer independentemente de filiação a qualquer grupo que seja, e por isso, acaba resultando que ninguém controla. As pessoas apenas se autocontrolam para evitar, por exemplo, violência.
O MPL acha também antiético não dar espaço à bandeira de movimentos que contribuíram com este. Então lá vai o que penso: 1) Antiético é difamar um movimento popular orgânico como um todo em função dos interesses de negociação política de um único órgão já institucionalizado que está no seio do movimento. 2) Ser ético em relação a instituições, sejam elas quais forem, significa dobrar-se ao poder delas, ao poder do que não é humano, mas uma excrescência inumana (e perniciosa, mas lamentavelmente incontornável) do humano, sejamos éticos em relação às pessoas envolvidas, e às coletividades orgânicas envolvidas, isso sim; então se querem falar de ética neste sentido, falem do que é ético ou não em relação às pessoas envolvidas por sob essas bandeiras.
E aí me pergunto: que pessoas são essas?
São os sem terra, por exemplo? Mas nunca vi ninguém nas passeatas impedindo faixas de reivindicação dos sem-terra. São os movimentos de defesa dos direitos de homossexuais? Mas nunca vi ninguém na passeata impedindo esse pessoal de colocar suas faixas com pautas de reivindicação. Etc. etc. etc. etc.
O que está sendo impedido são, especificamente, as bandeiras e símbolos que se referem particularmente a esta ou aquela organização institucionalizada qualquer, que atue em defesa destas ou daquelas coisas. Porque nessas organizações institucionalizadas, há lideranças oficiais. E essas lideranças, pouco importa se mal ou bem intencionadas, acabam operando politicamente de maneira perniciosa para o desenvolvimento livre e orgânico das manifestações. Esta é a questão.
A bandeira branca é um símbolo excelente neste sentido, porque representa não apenas a ausência de bandeiras, mas a paz (que é o que mostra a organização espontânea e a força do movimento, e o que mais assusta os que querem detê-lo).
O que está acontecendo é o seguinte: tem grupos os mais variados tentando fazer do movimento uma vitória deles, isoladamente ou em conjunto. Por isso, é preciso defender a bandeira branca.
Se isto acontece, se grupos institucionalizados fortalecem com o movimento a sua bandeira particular, os grupos (entenda-se as lideranças oficiais dos grupos) passam a ter força de levantar com base no movimento uma pauta de reivindicações específica, que vai depender do que? Da negociação entre essas lideranças, e portanto, da força de cada grupo um em relação aos demais. Se os grupos de sociedade civil organizada, como MST e outros, inclusive o MPL, começam a trazer suas bandeiras para a rua, começa a ficar cada vez mais difícil evitar também bandeiras partidárias, e o reforço a lideranças políticas oficiais, de certos partidos, que se disponham a beneficiar as causas particulares deste ou daquele grupo.
Aí caímos, mais uma vez, na negociação política. Aliás, mesmo que as bandeiras de partidos não entrem, os movimentos que tiverem presença mais marcante na passeata terão mais força política e farão acordo com os líderes políticos partidários que vierem a defender seus interesses, e vão colocar esses políticos sim “para cima”.
Então, quando cresceu, espontaneamente, organicamente, a ideia de atuar sem bandeiras (o que não impede faixas com reivindicações variadas dos mais diferentes tipos, que incluem claramente as de todos esses grupos), e de usar apenas a bandeira do Brasil e/ou, como símbolo, a bandeira branca (que aliás se dependesse de mim seria a única, para não ficar puxando coisas nacionalistas), o MPL começou com esse papo de que há “neofascistas” de direita no movimento. Acusação que no meu entendimento não passa de pura filhadaputice, nada mais. Estão choramingando pq perderam o poder sobre o movimento.
Os símbolos são importantes, mas são perigosos
A bandeira branca é um símbolo importante. Acho importante mantê-la, acima de toda e qualquer outra. E mantê-la até o momento em que alguém comece a querer usá-la em defesa de algum partido ou grupo institucionalizado qualquer, aí a gente abandona esse símbolo também. Não podemos depender de símbolos. Mas precisamos reconhecer a força deles. E o perigo também, em certos casos.
Existe algum sentido na acusação do MPL de “neofascismo”
dirigida aos manifestantes? — Sim e não.
O que há de certo no que os caras do MPL (Movimento Passe Livre) estão dizendo para justificarem a saída deles é apenas o seguinte: quando as passeatas vêm para as regiões mais ricas, há sim uma certa histeria nacionalista que as acompanha, vi até gente muito querida e que conheço desde adolescência entrar rapidinho nessa histeria.
Infelizmente, isso é orgânico também, para a maior parte do pessoal de classe média-alta (em que me incluo), e leva a paradas em que o movimento, na rua, começa a cantar o hino nacional. Acho uma babaquice. Mas não é nada alarmante. Não há “movimentos neofascistas” nem porra nenhuma dessas. O que há é o choramingo do MPL mesmo, querendo se justificar pelo rebaixamento de quem ficou no movimento, mais nada.
As manifestações vão acabar caindo em negociações
entre organizações institucionalizadas da sociedade civil
e partidos políticos? — Sim, infelizmente.
Tudo isso, todo esse processo de proveito partidário do movimento, que no fundo é o que o MPL e todas as siglas oficiais querem, vai acontecer de qualquer modo.
Mas vai acontecer no momento em que o movimento estiver à beira da morte, como sempre. Porque é precisamente isso o que mata toda mobilização política: o atendimento de reivindicações específicas em detrimento de outras, acompanhado das negociações pelas quais forças políticas oficiais tiram proveito disso.
O MPL, assim como evidentemente os demais grupos sociais já institucionalizados (e dotados de lideranças oficiais com possíveis carreiras políticas em vista) querem que isto ocorra o mais rapidamente possível. Na verdade eles queriam que ocorresse com a vitória sobre as catracas de ônibus, para marcarem o movimento como um movimento “deles”, mas isso passou e o movimento continuou.
Se tivesse ocorrido, a greve geral marcada para dia 1 por exemplo acho que não teria chances. A força do movimento está ligada a essa ausência de bandeira (e ao símbolo dessa ausência que é a bandeira branca). Pessoalmente, acho que não vai rolar tão geral assim, inclusive. Não sou tão otimista. Vamos ver.
Tem muita, mas muita gente mesmo, que está passando à margem do movimento sem dar bola, de uma maneira inclusive meio esquisofrênica (meio não, muito), como se nada estivesse acontecendo, e quando a gente pergunta sobre o assunto, a resposta é sempre a mesma: “nada vai mudar, vai tudo continuar a mesma merda”, “todo esse esperneio é à toa, uma infantilidade inútil”… ou qualquer coisa assim, pq “vão mudar os políticos, saem uns entram outros, e mais nada, a merda continua…” etc. etc. etc. — e é claro que têm razão.
Mas há merda que fede mais e merda que fede menos, que é mais perfumadinha… e como dizia o anarquista Proudhon, fazer política é lavar as mãos na merda, que se há de fazer. Perfeição não existe neste mundo, e se alguém exige perfeição, a gente deve sempre ter uma pulga atrás da orelha e perguntar: mas isso que você quer é perfeito pra quem?
O problema não é esse. O problema é que quando as pessoas entram nesse papo, não estão na linha do Proudhon, que era um revolucionário e queria sempre mudanças, e lutava para acontecerem. Na verdade, nessa gente que entra nesse tipo de papo, a a gente até sente um certo tom de comodismo ativo, como se a pessoa no fundo até preferisse essa “mesma merda” de que fala.
Isso, para mim, é o fenômeno mais estranho de todos a examinar. Porque é uma espécie de suicídio, um querer a morte em vida. (Coisa dos “supérfluos”, diria Nietzsche. Pode ser, mas esses “supérfluos” se fazem um contrapeso realmente danoso para quem quer fazer a própria vida.)
O (que eu, pessoalmente, acho) mais importante
Para o movimento agora, o que eu gostaria sinceramente que acontecesse é o seguinte:
1) um mergulho maior nas periferias
2) afastar a bandeira do Brasil e tirar de cena essa babaquice nacionalista de cantar o hino nacional… isso “puxa” os sentimentos mais conservadores e direitistas, e pode até acabar sim animando grupinhos neofascistas (que se encaixam bem na faixa de classe média-alta, não na periferia)… — este meu apelo de tirar de cena a bandeira nacional e ficar só com a branca, me parece sinceramente pouco provável que o movimento adote, infelizmente.
Quanto ao hino nacional: eu não vou cantar.
Não tenho nada contra o Brasil, muito pelo contrário. Amo esta terra em que vivo. Gosto da cor do céu (quando estou fora de São Paulo), da natureza etc. e gosto do modo de ser do brasileiro, muito. Mas “o Brasil” enquanto instituição, para mim não significa rigorosamente nada. Não sou nacionalista e nunca vou ser e não quero isso para a minha gente e a minha terra.
Se cantarem o hino nacional, vou me calar e cruzar os braços.
O MPL no meu entendimento está errado, e a presença de neofascismo não existe. Ninguém no movimento quer “lideranças fortes” de tipo nenhum, nem um espírito “de corpo”, “de unidade” ou babaquices do gênero, coisa que iria contra a variedade das reivindicações. Muito pelo contrário: isto é até o mais criticado no movimento pelos conservadores e os que querem difamá-lo. Mas o alerta que os caras do MPL fizeram não deixa de ter algum sentido, traz uma percepção inteligente de certos perigos, e precisa ser ouvido. Não há “neofascismo” nenhum no movimento. Mas sentimentos do tipo não deixam de se manifestar misturados na multidão a todos os outros sentimentos envolvidos.
Por isso, repito: se cantarem o hino nacional outra vez (e acredito que vão),
vou me calar e cruzar os braços — em protesto.