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Impressões gerais sobre o sentido das manifestações de Junho de 2013: PEC 37, corrupção, justiça e democracia

Por João Borba – 23 de junho de 2013 – artigo 3, vol. 2

menina com os olhos nas mãosSerá que os manifestantes têm
uma visão “simplista” dos problemas envolvidos na PEC 37?

Sábado, dia 22, uma imensa multidão saiu às ruas contra a aprovação da PEC 37, e eu estava ali no meio. De que se trata? O que é a PEC 37 e o que os manifestantes estavam querendo?

As avaliações em geral tendem a dizer o seguinte: que a PEC 37 é um assunto complexo, que mexe com minúcias (mas minúcias importantes) das distinções jurídicas quanto ao papel das instituições envolvidas na eliminação da corrupção. E que os manifestantes vão às ruas com uma visão simplória da coisa, porque defendem uma massa confusa de propostas e não captam essa complexidade. Pois vou aqui defender a tese contrária: os “entendidos” do assunto estão com uma visão simplista (e superficial) daquilo que os manifestantes pretendem, que é algo bem mais complexo, embora as motivações sejam simples — e também algo bem mais organizado e claro, com um sentido muito mais definido, do que esses caras imaginam.

Os “entendidos” dessa complexidade jurídica envolvendo o caso se desentendem quanto ao assunto. Mas muitos deles dizem que a PEC 37 está apenas tentando reforçar uma medida justa e constitucional que deveria ser mesmo reforçada, porque não está sendo cumprida, e esse não cumprimento prejudica o funcionamento “democrático” dessas investigações de casos de corrupção. E dizem que o povo não está entendendo isso com clareza, justamente porque não é constituído por “entendidos” no assunto.

O Ministério Público, por outro lado, é contrário a essa Proposta de Emenda Constitucional, e suas razões estão expostas em seu site oficial:

http://noticias.pgr.mpf.mp.br/especial-pec-37/perguntas-e-respostas-sobre-a-pec-37

 

Como poderíamos resumir o que certos defensores “entendidos”
da PEC 37 dizem da questão, e o que isso nos provoca a raciocinar em resposta?

Grossíssimo modo, a questão é a seguinte: o Ministério Público é oficialmente um órgão responsável, entre outras coisas, pelas denúncias que levam as investigações até os corruptos — talvez o mais ativo e o que obtém a maior extensão de resultados nesse sentido no momento — e a polícia, o órgão responsável pela investigação dos acusados em si mesma, investigação cujos resultados são levados à justiça para o exame da culpa ou inocência dos acusados. Mas o Ministério Público passou a atuar, extraoficialmente, como órgão de investigação, junto à polícia, em colaboração com ela. Segundo os defensores da PEC 37, não é correto do ponto de vista da efetivação de uma justiça democrática que os responsáveis por uma denúncia se envolvam também na investigação, porque não estão em condição de neutralidade, e podem contaminar as investigações transformando-as em uma mera caça de “provas” de uma culpa já presumida.

Tentemos raciocinar a partir daí.

Por outro lado, quando se faz uma denúncia, se faz com base em quê? Em nada? Aquele que denuncia alguém, quem quer que sejam o denunciante e o denunciado, deve apresentar também provas do que está dizendo, e portanto… deve sim, investigar. Assim como quem defende os denunciados deve também buscar provas do que está dizendo, e portanto… investigar também, sim. Mas com isto, denúncias e defesas não substituem um trabalho que deveria ser o do judiciário, a posteriori? Não. Apenas preparam o terreno, demonstram as condições de jogo que serão depois cuidadosamente examinadas no judiciário para a tomada de decisão final, com as devidas investigações complementares necessárias para isto, que virão a confirmar ou desmentir as pistas e presumidas evidências de denúncia e defesa apresentadas antes.

Então, qual é exatamente o problema no fato de o Ministério Público fazer suas investigações? A meu ver, nenhum. A não ser pelo fato de que, no calor do clamor popular, os denunciados tendem a ser condenados antes do julgamento, e supõe-se que então o Ministério Público seja mais sensível a esse clamor, e que a polícia (parece) esteja menos sujeita a essas pressões populares.

O problema, se é este, está apenas no fato de o Ministério Público ter uma força política que a defesa dos presumíveis corruptos não tem. A solução para isso, então, não seria impedir o Ministério Público de investigar, mas sim contrabalanceá-lo com um judiciário forte o suficiente para se firmar na busca do justo para além dos clamores populares. Isto é possível? É praticável? Numa situação como a atual, em que a população se inflama com tamanho furor contra qualquer presumível corrupto, estou seguro de que não.

Brinquemos um pouco, então, de pensar soluções abstratamente imagináveis…

Uma solução que poderia ocorrer a alguém (mas possivelmente rodeada de perigos) seria a forte focalização midiática (na mídia) de todos os resultados das investigações policiais na medida mesma em que fossem acontecendo, favoráveis ou contrárias aos denunciados, mas visando tanto quanto possível o equilíbrio entre os prós e os contras. Portanto, um acesso à mídia associado por um lado aos denuciadores e por outro aos defensores do acusado. Mas a prudência sugere exatamente o contrário: minimizar o efeito “espetáculo” que atiça as paixões populares, e criar tanto quanto possível um clima desapaixonado e frio nas investigações.

O fato é que, para o azar dos denunciados que por acaso forem inocentes, não é o momento político de firmar decisões quanto a detalhes em todo esse processo, porque o uso do ‘”juridicamente legal” contra possíveis ingerências do Ministério Público está na prática funcionando, de modo muito evidente e indisfarçável, como via de passagem da massa corrupta em seu caminho, enquanto são contidos apenas uns poucos bodes expiatórios (nem por isso menos culpados). E o povo está muitíssimo ciente disso.

 

São válidas as soluções supostamente técnicas
apresentadas contra a suposta ingerência do Ministério Público
na investigação dos casos de corrupção?

Supondo que este seja mesmo um caso interpretável como de ingerência do Ministério Público, soluções que mexem com filigramas do processo em questão evidentemente não atendem às necessidades políticas atuais, e por não atendê-las, não atendem também de maneira praticamente eficaz às demandas do efetivamente democrático e justo. A única solução que me ocorre (que examinem se estou correto no meu raciocínio, embora na verdade ainda seja uma brincadeira especulativa, hipotética) é uma contenção provisória, emergencial, de todos os meios e recursos pelos quais possíveis corruptos ainda não julgados poderiam se livrar das provas contra eles (por exemplo contenção de tosas as possibilidades de envio de dinheiro para contas no exterior por parte de todo e qualquer possível beneficiado direta ou indiretamente por atos de corrupção, e outras providências no mesmo sentido) — por mais que possíveis inocentes fossem provisoriamente prejudicados por tais limitações. Em seguida, com esses meios e recursos barrados, que todos aguardassem a necessária reforma geral e radical de todo o processo pelo qual ocorrem as denúncias e investigações de corrupção.

Tal reforma deveria ser feita com ampla participação da mídia, com intensa focalização da busca da transparência, do justo e do democrático, e contra a impunidade — também com fortíssima participação da sociedade civil organizada, na forma de debates públicos. Todos os prejudicados deveriam ser inclusive convidados a se empenharem, como bons cidadãos (ou a fim de mostrarem sua boa fé) em fornecer ativamente todas as informações inclusive pessoais que fossem necessárias ao bom curso das investigações (sem serem necessariamente colocados sob suspeita… aí o ponto difícil, senão utópico, da coisa). Isto satisfaria a busca de mudanças, e o debate diminuiria a sanha popular irracional em busca de bodes expiatórios e aumentaria a legitimidade dos processos. Mas é evidente que isto seria impossível de realizar em um nível puramente superficial, como “maquiagem”. E por outro lado será que seria realista pretender ultrapassar esse nível puramente cosmético da coisa?

A reestrututração teria que ser profunda, ou a própria população trataria de forçá-la a aprofundar-se. A questão é: será que tudo isto, toda essa utópica medida de emergência, é algo necessário?

Será que suposto o problema de justiça detectado por certos especialistas (por exemplo muitos membros da OAB) na participação do Ministério Público nas investigações, supondo que seja mesmo algo a ser corrigido, é algo que tem seu momento oportuno de correção precisamente agora? Precisamente no momento em que o Ministério Público se revela um dos órgãos mais eficazes (ou menos ineficazes) no combate, eu diria que emergencial à corrupção?

Quando surgem medidas de ocasião alterando os procedimentos eleitorais vigentes por exemplo (e digo os efetivamente vigentes, que são os que importam, independentemente de estarem em conformidade rígida as normas vigentes ou de estarem interpretando-as um tanto livremente)… quando surgem medidas, enfim, visando alterar os procedimentos eleitorais vigentes, mas numa ocasião em que se está justamente à porta de eleições, e isto pode beneficiar certos partidos em detrimento de outros, qual é q atitude mais correta a tomar? Mesmo que as alterações demandadas sejam justas, o correto não é q sejam pensadas para a próxima rodada de eleições, quando puderem ser debatidas com real isenção, e não para as do momento? — Pois é. O raciocínio aqui, quanto à PEC 37, mesmo supondo que seja justa, como pretendem certos técnicos em jurisdicidade, não deveria ser o mesmo?

 

Argumentos em favor do posicionamento dos manifestantes (contra a PEC 37), a partir da visão popular
expressa nas passeatas de Junho de 2013

Deixemos o plano etéreo das brincadeiras especulativas, argumentos de ocasião e soluções “ideais” imaginárias (que se formulam sempre em um nível de abstração muito grande, sem jamais estarem suficientemente bem informadas acerca de tudo o que está envolvido) — e pensemos um pouco no presente concreto e imediato.

Se entendo bem a situação, o Ministério Público não é o único órgão além da polícia a fazer investigações em relação a atos ilícitos de membros dos poderes públicos. É apenas o que está apresentando maiores e mais visíveis resultados nesse sentido. O que é bom para que não haja monopolização dessa atividade por um único órgão, aliás, o que é um mecanismo mais contra utilização meramente autopromocional desse tipo de atuação por parte de algum deles.

Se o Ministério Público não é o único órgão a fazer suas investigações, por que então precisamente agora retirá-lo desse caminho? A quem interessa isso? A virtuais futuros réus inocentes que estejam ameaçados pelo medo de um linxamento midiático caso venham a ser vitimados pelas denúncias do Ministério Público? — o atendimento a esse tipo de interesses é, para dizer o mínimo, suspeito. Quem não deve não teme, se diz. Interessa talvez à mais justa defesa de acusados que já vêm sofrendo algo como um linxamento midiático?

Quanto a isso, algumas colocações. Primeira: se o problema é o linxamento midiático, é um problema com a mídia — e então, o que o Ministério Público tem a ver com isso? Ah, talvez o MP (Ministério Público) esteja se apoiando no poder da mídia para fazer valerem suas acusações? É isso? Se é o caso, então o problema está, mais uma vez, na participação da mídia, e no uso dessa participação pelo MP. E não no fato de o MP ter permissão legal para operar investigações em parceria com a polícia. Agora, mais uma coisa precisa ser observada: se a preocupação dos defensores da PEC 37 é com a efetiva justiça democrática e isenção nos procedimentos investigativos, então alguém me explique o seguinte: qual a isenção nos procedimentos de denúncia, investigação e julgamento quando a defesa de um acusado pode se realizar alterando as regras dos próprios procedimentos oficiais pelos quais são realizadas as denúncias? 

Ah, mas não é este o caso! Não há nenhum acusado específico em foco na mobilização em favor da PEC 37 — poderiam me responder. Com o perdão da palavra: pensam que somos imbecis?

 

No meu fraco entendimento, me parece correto sim verificar a justiça ou não dos procedimentos, mas apenas segundo as regras normais já vigentes, inclusive jurisprudencialmente, e não apenas segundo interpretação inaugural, de momento (casuística) e sem antecedente, segundo a mera letra positiva desta ou daquela lei que já não tem eficácia prática há muito tempo nem razão justa para ser reavivada. Pois isso implica alterar procedimentos vigentes, o que me parece que não pode, não deve ser feito em função de defesa específica de quem quer que seja — e portanto, mesmo que não haja nenhum acusado específico em foco, não pode ser feito em momento político impropício, em que há manifesta e notória mobilização de corruptos tentando por todos os meios escapar à justiça. Pois há sim muitos, muitos acusados não em foco, mas rondando claramente, e avidamente, ao redor do foco. Pretende-se o quê? Abrir precedentes pelos quais todos os possíveis corruptos futuramente possam escapar ao próprio cerco da justiça, ao próprio circuito judicial no qual seus casos seriam examinados?

Mas podemos ir além: sem falarmos especificamente em isenção, falemos um pouco em justiça: será mesmo todo e qualquer acusado em todo de todo e qualquer crime em qualquer circunstância, ou mesmo toda e qualquer pessoa com receio (sabe-se lá por quais razões) de vir a ser acusada de algo, teria o mesmo poder de criar em sua defesa uma circunstância em que os próprios procedimentos oficiais vigentes são alterados em seu favor? — Se apenas alguns têm o poder de fazer isso (e quais? — os sob risco de acusação de corrupção, porque são política e economicamente poderosos), alguém por favor me explique então… alguém com domínio das tecnicidades da área, alguém da OAB por exemplo, alguém por favor me explique: o que há de justiça nisto?

 

O problema do raciocínio excessivamente abstrato
dos que estão acostumados às puras tecnicalidades do direito
ou ao puro positivismo jurídico… e o que esses “entendidos” não entenderam do pensamento expresso nas manifestações

Os que dominam as tecnicalidades da coisa, OABistas ou de outros circuitos, que defendem a PEC 37, tendem a ter os olhos voltados, me parece, não para a defesa oportunística de quem quer que seja, e sim para a pura e simples funcionalidade da positividade jurídica, e para (no máximo, fugindo um pouco à frieza do positivismo jurídico mais raso e chão) a justiça que se raciocina poder operar com base na letra da lei. Vejamos.

A PEC 37 pretende afastar o Ministério Público das investigações, segundo certos defensores da proposta que atuam nesta perspectiva, para tornar mais “justo e democrático” o processo de investigação, mais isento de contaminação por qualquer presunção de culpa dos réus, garantindo-lhes o direito democrático de defesa. Do ponto de vista do puro positivismo jurídico e do que interessa a um julgamento justo, considerando a coisa abstratamente, os defensores da PEC 37 estariam (talvez) certos. Estariam.

Mas a realidade não existe in abstracto. Ela é concreta. E o fato concreto, mais do que banal e evidente, notório mesmo, é pura e simplesmente este: corruptos vinham sendo punidos (poucos, apenas os “bois de piranha”, aqueles que são deixado com as pernas sangrando de um lado do rio para desviar a atenção das piranhas, enquanto a boiada inteira passa do outro lado). Mas pelo menos, esses poucos vinham sendo punidos. Para se ir além de meras declarações de “banalidade”, “evidência” ou “notoriedade” da coisa, consultem-se então os fiscais, faça-se cuidadosamente a contabilidade de quanto dinheiro “sobe” em impostos, de quanto “fica” licitamente na própria manutenção da máquina governamental (e o “licitamente” aqui já é palavra delicada) e de quanto “desce” em benefícios para a população, e coloque-se em números claros a diferença.

 

há corruptos na berlinda, e corruptos já condenados. Sabemos. Mas sociedade mesmo assim não está nada satisfeita com a miudeza dos esforços nas apurações. Os corruptos são claramente em número muito maior, e estão tomando, precisamente neste momento histórico, e de forma desesperada, tudo o que podem dos cofres públicos, com medo de que o farol aponte para eles. Esse farol tem sido o Ministério Público, ainda que muitas vezes em função de manobras politiqueiras. A pressão popular e da mídia faz o farol girar, e tender para outros lados que não só o dos bois de piranha. Os outros bois (o resto da manada) não conseguem tão facilmente como antes oportunidade de passar sem serem vistos. Não tão facilmente, mas conseguem. E precisamente neste momento crucial, sob uma alegação que sob outras circunstâncias seria (talvez) justíssima, querem apagar o farol a fim de fazer passar a boiada.

(Oh! Que bela imagem, o Ministério Público como um farol orientando o caminho contra a corrupção… pois é, mas fiquemos atentos: é uma instituição como outra qualquer, com todos os que dependem dela, por vício ou proveito pessoal… mas o fato é que sim, por enquanto, até que tem merecido a imagem. Fiquemos na vigilância, no entanto.) Porque é disso que se trata, e o povo sabe. Perfeitamente. A polícia, embora competente sim, não demonstra ter condições de conseguir o mesmo por si só e sem essa parceria, entre outras coisas porque se trata de gente poderosa sendo investigada, e com muito mais recursos para se esquivar de procedimentos investigativos.

Então me permitam explicar a esses “entendidos” favoráveis à aprovação da PEC 37 o que eles não estão entendendo. Principalmente quando falam dos manifestantes como se fossem uma massa semiconsciente e que não sabe bem o que quer.

Comecemos falando de algo que é típico da psicologia humana.

Conforme construímos nossos posicionamentos nos diferenciando de outros, distribuindo os que interagem conosco entre “eles” e “nós”, tendemos naturalmente a captar muito mais diferenciações, detalhamentos e complexidade, e também maior clareza, definição e precisão de rumos, naqueles que consideramos como “nós” do que naqueles que consideramos como “eles”. (Consultem-se a respeito quaisquer estudos atuais a respeito no campo das neurociências).

Quando estamos em um posicionamento que no fundo faz com que nos sintamos “de fora” de algo, isto nos faz tender a ver esse algo como uma massa homogênea, mais simples, menos diferenciada e menos complexa, e também nos faz subestimar esse algo. Tendemos a fazer essas coisas inclusive independentemente de estarmos certos ou errados em nossas avaliações quanto à complexidade ou simplicidade daquilo que estamos examinando. Se nosso coração nos coloca “de fora” do examinado, o vemos como uma massa confusa. Se nos engajamos passionalmente em relação a esse algo, o vemos como algo complexo, diferenciado e bem direcionado, podendo até superestimá-lo.

 

Correndo o risco então de superestimar o movimento, já que estou um tanto mergulhado nele, o vejo sim como algo complexo, muito diferenciado internamente, e ao mesmo tempo muito organizado e muito claramente direcionado, com uma pauta de propostas tão precisa e bem definida que chegam a me espantar (e muito) as constantes avaliações em sentido contrário que tenho constatado por todos os lados.

A primeira pergunta que me vem à mente, portanto, é: essa gente que fala da falta de “orientação” ou de “organização” do movimento, é afinal gente cega, ou gente que não quer ver? Ou representam ainda alguma categoria psicopatológica à parte que combina essas duas coisas ao mesmo tempo?

Que governantes e representantes políticos, em especial, vejam as manifestações correntes como uma massa confusa de anseios populares sem organização e sem direção, é perfeitamente compreensível. Aliás, é até mesmo sintomático, já que estão tão distantes dos anseios da população. Tais pessoas representam o conjunto das instituições políticas do país, e esse conjunto inteiro de instituições, na verdade, esteve desde sempre distante (e muito distante) do que caracteriza de fato e organicamente a população. Estamos vivenciando aliás, graças a isso que se chama “democracia” — e que só agora pôde firmar-se de maneira mais consistente na história nacional — o primeiro momento de livre expressão dessa organicidade da população (ou de pelo menos de uma parte significativa e forte dela).

 

Um breve resumo histórico acerca da formação das atuais manifestações públicas (indo mais longe que o já ultrapassado Movimento Passe Livre)

Tivemos um primeiro esboço de algo vagamente similar na época em que o presidente Washington Luís teve que, pela primeira vez na história do Brasil, enfrentar algo que poderia ser chamado de “opinião pública nacional” — porque todas as revoltas e manifestações públicas de protesto anteriores vinham sendo manifestações apenas locais, ou sempre pulverizadas em manifestações de interesse local, e não se articulavam em propostas de caráter efetivamente nacional.

O resultado foi o escancaramento do caráter falso e superficial da “democracia” da época, conhecida como “república do café-com-leite” porque já se sabia antes das eleições quem seria o presidente: havia um revezamento, ora um representante dos fazendeiros da pecuária mineira; ora um representante dos cafeicultores paulistas. A falsa república foi derrubada, mas a “opinião pública” ainda não tinha consistência para forçar algo efetivamente mais democrático.

Subiu então ao poder um sujeito que, apoiando-se (como Hitler aliás) na experiência bem sucedida de Mussolini na Itália,  demonstrou saber como “lidar com” (leia-se “manipular”) a tal recém-emergida opinião pública por meio da mídia e da manipulação de sua própria imagem pública. Falo de Getúlio Vargas (o crápula tão amado por tantos… vampiros costumam ter esse efeito sobre os donos dos pescoços que eles sedutoramente mordem…).

 

Pouco mais adiante ele teve que começar a “lidar” com algo mais complexo que estava emergindo por debaixo dessa nova “opinião pública”, algo mais profundo de que ela era apenas um sintoma: a organização das classes trabalhadoras. Morreu (espertamente, covardemente, conspiratoriamente?) quando já começava a ver como única saída para se manter no poder o dobrar-se a essas novas forças, emergidas da organização do trabalho, começando vagamente a perceber a necessidade de ir cedendo na manipulação e se colocando a serviço dessas novas forças — teria jogo de cintura suficiente para essa transição? Acredito que não. Era demasiado autoritário para isso, o drácula, o crápula.

Seguiram-se mais uma curta e frágil democracia endividada e de curta duração, e as ditaduras, que reprimiram a expressão dos agentes históricos em formação sob uma casca, um verniz falso de “ordem” mantido na ponta dos canos de armas (e que cedo ou tarde, evidentemente e incontornavelmente, estouraria na fuça deles sob a força desses agentes). Estourou, e agora estamos em uma democracia mais sólida (porque fundada nas atividades de forças sociais orgânicas, muitas das quais se uniriam e esmigalhariam qualquer intento ditatorial como quem esmaga uma formiga com o dedo do pé).

 

A nova organicidade que a sociedade brasileira apresenta já não é mais a de uma “massa” manipulável por meio da mídia ou da imagem pública de um líder, como na era Vargas. As manifestações já estão penetrando nas periferias e já penetraram em muitas das cidades pequenas. E as atitudes nada amistosas dos manifestantes em relação à grande mídia, que tende hipócrita e antieticamente a destacar apenas os focos de violência e a atribuí-los ao conjunto dos manifestantes, é extremamente significativa nesse sentido.

Por isso os que pensam que um “grande líder” que seja “bom de público” e que de alguma maneira seja um “símbolo popular” poderia conter isto, estão tão enganados como quem tenta conter uma poderosíssima bomba colocando um penico em cima e sentando um bobo da corte sobre ele. O perfil do público, talvez não de todo ele, mas de uma quantidade extremamente significativa e crescente dele, já é agora inteiramente outro. O que quer que se consiga conter apelando populisticamente para “o resto” ainda não mobilizado da população, será mais uma mera casca de verniz a ser estourada pouco mais adiante. E o que se reprime, estoura depois mais forte. A bomba é produzida pela repressão (ou pela dissimulação populista, não faz diferença), e não contida por ela. Que um bando inteiro de outros bobos da corte “de oposição” aplaudam o fato de o sujeito chamado a sentar no penico invertido esteja sendo chamado de “bobo da corte”, é aliás sinceramente insignificante, pois estão igualmente fora de jogo aqui.

Mas as instituições desta democracia ainda nascente, fundada nas novas forças orgânicas sociais incontíveis, foram rapidamente (muito rapidamente) se afastando mais uma vez da organicidade da população, sob o aval dos que lícita ou ilicitamente alimentavam suas famílias, ou seu poder, ou seus bolsos e luxos, precisamente com esse funcionamento.

O que está acontecendo neste momento, o que essas manifestações representam, é a confrontação inevitável que resulta de tudo isso. O caráter pacifista dessa confrontação é clara expressão do poder e da organização dessas manifestações.

 

Sobre focos de violência nas manifestações,
e a sabedoria orgânica dos manifestantes

Os manifestantes sabem perfeitamente, com claríssima consciência, que os focos de violência são favoráveis aos inimigos do movimento, e não vão permitir que isso seja usado contra eles. Trata-se de uma confrontação cuja única solução possível — e espero que as pessoas que se posicionam “de fora” se deem conta disso logo — é a reestruturação das instituições políticas, reestruturação de modo a cortar decisivamente todas as vias que permitem esse afastamento das instituições democráticas e dos que atuam nelas, em relação aos interesses e necessidades orgânicos da população. Trata-se de reconstruir as pontes entre o kratós (no caso, o poder soberano) e a organicidade dos demos (das coletividades sociais orgânicas), a quem numa democracia o kratós deveria pertencer.

A principal motivação desse afastamento das instituições em relação à sociedade em sua organicidade, muitíssimo bem detectada aliás por essas manifestações de rua, é o enriquecimento ilícito por parte de corruptos ou a corrupção, operada por eles, dos próprios meios legais, tornando-os instrumentos “legalmente aceitos” de enriquecimento dos envolvidos em todos os escalões do poder, de baixo acima e em todas as esferas, em detrimento dos interesses públicos — vide o caso de medidas “justas e legais” (como o PEC 37) levadas adiante oportunisticamente com fins favoráveis à corrupção. Estão tentando vendar os olhos de quem está com a rede, neste momento muito específico em que os ratos tentam, desesperadamente, escapar à nado do navio que está afundando.

 

Querem a PEC 37? Então reestruturem a polícia ou criem órgãos que atuem junto com ela e que tenham maior poder e capacidade política de efetivamente amarrar os culpados, tal como o Ministério Público (bem ou mal intencionado) parece ter demonstrado ter, pelo menos em alguma medida. Em outras palavras: querem retirar do Ministério Público o poder de realizar o serviço de “lipeza” que bem ou mal está ajudando a realizar, então nos ofereçam um outro Ministério Público (com o nome que bem queiram dar a ele) que faça o serviço.

O que não aceitamos mais, é que as instituições sejam elas próprias ilicitamente ou “legalmente”  manipuladas por corruptos em detrimento do interesse público. Não pode haver brechas para esse tipo de manipulação oportunista de última hora. Por mais veneráveis que sejam os pretextos. Então, não: sob essas específicas condições, a PEC 37 não vai passar. Faremos com que não passe.

Mudem-se as condições, talvez as manifestações mudem de discurso, talvez até deixemos passar isso. E se o fizermos, mais uma vez tolamente se vai dizer que os manifestantes “não sabem o que querem”. Sabem sim, seus pulhas, muito melhor do que vocês imaginam. Tecnicalidades? Talvez não. Elas importam? A questão é… em que medida? Quem não está entendendo bem as coisas é esse pessoal viciado em um positivismo jurídico sem lastro na sociedade, que nos foi inpingido durante a ditadura militar, e do qual estamos fartos.

Aliás, a PEC 37, assim como antes dela o passe livre (ou pelo menos mais barato — parece que isto já satisfez os caras lá do começo, os do Passe Livre), é (tornou-se) na verdade apenas um pretexto. O problema maior, e em maior evidência agora, é o desvirtuamento das instituições — que deveriam ser democráticas — em favor do enriquecimento dos que têm condições seja de burlá-las, seja (mais gravemente inclusive) de manipulá-las, numa instância “oficial” separada e distante do povo. Essa distância tornou-se inaceitável para o perfil dos novos agentes históricos que estão se formando na organicidade atual da nação.

 

Sobre democracia representativa, participativa ou de efetivo controle popular (já que não parece haver condições orgânicas para uma democracia direta, pura)

A população (a meu ver infelizmente) não está pedindo (creio que ainda) meios de controle popular das instituições. Pude constatar isso na passeata da Av. Paulista contra a PEC 37, pois meus gritos de “controle popular” se perderam no ar e morreram no nada, não “pegaram” na multidão. Não toca (ainda) os corações. É possível (diria que provável) que tenha sido por estarmos na Av. Paulista, contando principalmente com gente de perfil um pouco mais conservador, de classes mais altas — coisa que se nota, por exemplo, por um espírito mais fortemente nacionalista do que o que se vê nas periferias, com muitas bandeiras do Brasil e até o canto do hino nacional, mais de uma vez.

É mais fácil pensar “patrioticamente” no Brasil como nação para quem recebe tudo de melhor na partilha capitalista no país, e tem condições de viajar para fora, ou conhece quem pode fazê-lo. Tais pessoas podem destarte a ter acesso a uma visão do Brasil “de longe”, vendo-o então como um “todo” e borrando dessa visão, por um momento de “iluminação patriótica”, as condições locais particularmente ruins em que vivem os demais.

O pessoal da perifa, por outro lado, está mergulhado em uma outra circunstância neste nosso contexto geográfico, e recebe as coisas de modo um pouco diferente assim que começa a mergulhar também no ambiente prático das manifestações… um modo bem mais interessante eu diria — duvido que fariam um esdrúxulo grito de “ordem e progresso” como os panacas de uma certa faixa de gente na Av. Paulista (panacas que, curiosamente, está na cara que já estudaram o suficiente para lembrarem que esse lema não é apenas “algo que está na bandeira” e portanto “marca de patriotismo”, mas um lema do século XIX que representa o mais tacanho conservadorismo político… tiveram dinheiro para estudar, mas não sentem na pele, na vida, os problemas envolvidos naquilo que estudaram, não sentem de fato cotidianamente a opressão dessa “ordem” e desse “progresso”, sabem dessa opressão “em teoria”, então esquecem fácil).

 

De qualquer modo, pequenas inconsciências à parte, os protestos, seja nos bairros ricos ou na periferia, claramente exigem maior respeito e atenção ao que a população quer, e demonstram cabalmente a inaceitável desconexão com ela a que as instituições políticas do país (e os que nelas atuam) chegaram.

Votou-se em alguém com cara de povo, duas vezes… e depois uma terceira em alguém apresentado pelo cara-de-povo. Que a meu ver fez um serviço talvez mais sério do que o de um “símbolo popular” que tem a infelicidade de se sobrepor à sua própria atuação efetiva como governante — …e talvez um serviço ainda melhor ao, mais recentemente, acolher o clamor popular falando em reestruturação política profunda… medo, talvez? Talvez não, talvez sincero reconhecimento da justiça das manifestações. Que importa? É a atitude necessária, correta, e deve ser respeitada. É o que basta. Mas o interessante mesmo é apesar disso o seguinte: a mensagem dessas três eleições foi interpretada da maneira mais grosseiramente estúpida e errônea possível: algo do tipo “podemos fazer o que quisermos, desde que a gente aumente a renda da população”. Erro. Se quis ver na corrupção o próprio perfil do brasileiro. Redobrado erro.

A  mensagem mínima era obviamente outra: o perfil do que era um candidato aceitável tinha mudado, pois um representante do povo tem que ter cara de povo. Na época acreditei inclusive, ingenuamente, que os partidos sem cara de povo simplesmente desapareceriam. Fui otimista quanto à capacidade dos políticos brasileiros de enxergarem uma mensagem como esta, com tudo o que ela significa: não levei em conta a questão da luta pela sobrevivência (e do quanto ela pode ser suicidamente tola), intensificando seu empenho a ponto levar as pessoas a simplesmente não enxergarem o que está na cara delas — quando isso que está na cara delas aponta para a sua retirada de cena.

(Lembro-me agora do Fernando Herique, que aliás não tem nada dessa “cara-de-povo”, falando inutilmente que o PSDB deveria aproveitar a crise ética do PT e se aproximar dos sindicatos, se tornar um partido mais “povo”… pura utopia delirante! O PSDB inteiro não tem essa cara-de-povo, simplesmente não tem, nunca teve, decerto nunca terá. Isso ficou bem claro aliás, porque FHC na ocasião falou para o vazio. Gente inteligente não costuma ser muito escutada quando diz o que não se quer ouvir).

 

Cara de povo cara de povo cara de povo… isso é um mero estereótipo! Ah, sim… Eu (que escrevo estas linhas) sou povo, todos nós somos, e minha cara, por exemplo, não condiz com essa “cara de povo”… — e daí? É claro que se trata de um estereótipo. E isso é absolutamente irrelevante. Símbolos populares são, necessariamente estereótipos. O que se esperava que fossem?! Mas esses estereótipos exprimem certas expectativas, e é isso o que interessa — e enquanto as exprimem, enquanto signos expressivos, podemos brincar inclusive com a palavra e chamá-los de “estereótimos”. Tal estereótipo do cara de povo alçado ao poder estava ligados a um resto de confiança ainda pendurada na noção de representação política.

Agora a mensagem “queremos a cara do povo lá” passou. Quer dizer que o tal expressivo estereótipo “morreu”? Não. Quem quer que queira votos, provavelmente precisará de um pouco mais de cara de povo daqui para a frente, me parece, e inclusive cada vez mais. Só que políticos com cara de povo não bastam mais, não são mais o suficiente, e o estereótipo tornou-se sim possivelmente até contornável, porque já há coisas claramente mais importantes aos olhos do povo, que vão muito além de se ter “cara de povo”, mas vão nessa mesma direção… é que não se confia mais nos meros “símbolos”, e isso já não tem mais nada a ver com sua “honestidade” ou “desonestidade”.

Em suma, o perfil da opinião pública mudou, amadureceu, e a mensagem popular já é outra, porque se descobriu (ou se redescobriu), por assim dizer, que “Quem vê cara não vê coração”. A opinião pública já constatou que esse seu próprio dito popular é muito mais do que uma mera “frase de efeito”. Constatou que sua intuição quanto a isto era mais certeira do que o imaginado. A opinião pública constatou que o coração do político não está no peito (pois até aqui se sabia apenas que não está no povo, e menos ainda na democracia, no poder do povo): constatou-se finalmente que o coração do político está é nas instituições de que ele faz parte (para não dizer nas malditas instituições de que ele faz parte) — a começar porque, eleito, passa a ocupar um cargo que é, ele próprio, uma instituição, dentro de outra e engrenada com outras. Ele, político oficial, depende em sua existência como político, dessas instituições.

Agora, portanto, já se compreende claramente que as coisas não podem ser simplesmente deixadas nas mãos de representantes eleitos, não importa de que partido sejam, porque corruptos ou não, eles jamais são confiáveis. Não são confiáveis porque as próprias instituições nunca são — estão elas próprias a serviço da corrupção e precisam de controle, vigilância… e de vez em quando, eu acrescentaria, precisam também de uma reformulação radical, e vigilantemente acompanhada pelo público.

 

O mecanismo todo tem seus focos de podridão, independentemente de quem esteja lá — e isto já é mais ou menos claramente da consciência popular, qualquer gari ou office boi sabe disso e o diz inclusive, constantemente, sempre que surge o assunto “política”embora titubeie um pouco ao falar nessa “máquina política” para a qual não aprendeu muito bem o uso do termo “instituições”. A metáfora da “máquina” desliza mais fácil na língua — e do modo como é popularmente usada condiz razoavelmente bem, aliás, com o conceito de “aparelho” do filósofo Vilém Flusser, ao qual me apego bastante.

Começa-se a perceber que o problema é mais fundo, não é somente um problema de quem está lá e quem não está. Começa-se a perceber que é preciso mexer nas instituições, que é preciso cortar nelas todos os acessos que elas oferecem à corrupção e à manipulação dos bem públicos (e inclusive delas próprias) em interesse próprio, por parte de quem tem poder político ou econômico. Por isso é que temas de caráter institucional, como o da PEC 37, começam a se tornar capazes de mobilizar gente suficiente para ocupar as avenidas Paulista e Consolação quase inteiras (e em horário de jogo de futebol).

Este é o sentido histórico dessas manifestações. Portanto, em certa medida, o coração delas.

 

Algumas referências conceituais que servem de base às reflexões
expressas neste artigo sobre as manifestações de junho de 2013.

Caso alguém tenha curiosidade, e queira me acompanhar desde já num exame um pouco mais fundo que pretendo desenvolver disto tudo, utilizo o conceito de “organização do trabalho” de Pierre-Joseph Proudhon, que combina divisão de funções e reagrupamento racional das mesmas — num processo que se desenvolve sempre mais e de modo automático, em vista da eficácia ou, alienadamente, da pura otimização da funcionalidade sistêmica do trabalho. Segundo Proudhon, tal processo tende a se desenvolver independentemente das vontades humanas, e se reflete na própria formação do perfil do proletariado.

Utilizo também, combinado a isto, o conceito de “trabalho” desenvolvido por Vilém Flusser em Filosofia da caixa preta, que detecta nas atividades laborais uma combinação de produção historicamente decrescente com informação (e valoração) agregada historicamente crescente, conduzindo a humanidade cada vez mais de um “pseudodiálogo” surdo-mudo com a natureza, para o diálogo — em sentido forte — inter-humano que constitui o tecido da cultura. Esta concepção de Flusser o leva a colocar — confrontando-se com o marxismo — a comunicação (ou mais precisamente as estruturas de produção e circulação de informação, bem como as estruturas tecnológicas implicadas) como infraestrutura abaixo da própria economia e mais fundamental do que ela.

Pode-se acompanhar isto em Flusser pela leitura de Pós-história e do livro Comunicologia, infelizmente com original em alemão e não traduzido para o português.

Minha combinação deste conceito flusseriano com o de Proudhon me leva a redirecionar isto para a questão da formação dos agentes históricos, refletida na organização das atividades informacionais humanas, nos processos laborais e para muito além deles. Para mim, portanto, o que há de “infraestrutural” é algo de caráter pedagógico: a constante formação e remoderlagem dos agentes históricos.

Educação (ou mais precisamente as formas materiais de formação) é o que constitui o infraestrutural — ou, para utilizarmos ironicamente um termo que é o do Marx original, esquecido pelos marxistas, digo que Marx errou porque a formação dos agentes históricos sociais (e os meios materiais com os quais ela conta) é que constitui a base. E não simplesmente a “organização da produção” (que depende ela própria dessa base). Sem a formação dos agentes como base, nem a economia se move. Nada se constrói sem essa base que modela os agentes, e nada se mantém, por sua vez, sem ajuste ao menos parcial às formas materiais que esses agentes vão adquirindo ao longo da história.

 

As forças conservadoras em torno das instituições oficiais têm agora novos e (cada vez mais) poderosos agentes históricos a enfrentar aqui em baixo se quiserem manter a sua “boquinha” lá em cima, e ainda não se deram suficientemente conta disso, recusam-se a enxergar que é hora de sairem de cena. Mas é. Os nossos políticos atuais que tentem manter as coisas exatamente no rumo em que estão (mesmo com o tão propagandeado aumento gradual da distribuição de renda, que não deixa por isso de ser uma grande conquista)… que tentem: vão dar um brilhante exemplo a confirmar esta teoria!

 

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