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Sobre os Anônimos, entre este Blog e o facebook:
um esclarecimento pedindo desculpas aos leitores
Em outro artigo falei sobre alguns elementos éticos que estão na formação da estética de ação política dos Anônimos — A estética Anônima e o equilíbrio de tensões no horizonte da interpretação do outro. Alguns leitores podem se decepcionar, porque o título sugere muito mais do que o que está dito no artigo. Peço desculpas quanto a isto.
O que ocorre é que os textos que vou postando neste Blog não são completos em si mesmos, e apesar do tamanho desmedido para textos de Blog, continuam sendo sim apenas textos de Blog, e não o que eu faria se estivesse realizando uma análise realmente aprofundada das coisas. Continuam sendo meros pensamentos lançados apressadamente, ainda com pouca reflexão, no impulso do entusiasmo, e que vão formando uma sequência e um conjunto não apenas uns com os outros, mas também com postagens minhas no facebook e artigos de maior embasamento minha “euciclopédia” ProjetoQuem.
Como não é todo mundo que tem acesso ao facebook (porque entrar ali implica submeter-se a coisas a que muita gente com toda razão não aceita se submeter), estou começando a me concentrar mais neste Blog, e a retomar nos próprios artigos passagens complementares minhas que estão no facebook, ou enbedá-las aqui para que qualquer um possa lê-las. Tomando-se o que venho dizendo no conjunto, esse título do tal artigo anterior — A estética Anônima e a tensão de equilíbrios no horizonte da interpretação do outro — parece fazer mais sentido do que quando o consideramos isoladamente.
Focalizei ali, principalmente, a formação de alguns valores ético-políticos dos hackers ativistas que estão sempre no fundo das manifestações dos Anons nas diversas partes do mundo, prestando serviços de apoio e às vezes realizando atos heroicos de arriscadas hackeagem em apoio às manifestações ou ao que elas defendem, atos pelos quais acabam figurando como modelos de comportamento para muitos dos Anônimos.
Naquele artigo falei também brevemente sobre o papel dos Anons (os Anônimos das ruas, e até os mais ousados dos vídeos da internet, com suas máscaras, alguns dos quais talvez sejam os próprios hackers) na potencialização e ao mesmo tempo na contenção e controle da tendência de muitos desses seus “heróis” hackers para certos exageros perigosos em sua atuação de banditismo romântico ético-político-justiceiro (atuação que tem, para muitos desses jovens hackers, um certo traço de brincadeira individualista gigantesca e sem muitos limites). Mencionei isto sem detalhar muito exatamente como vão se dando, em miúdos, essas interações entre os Anons das ruas e sua base hacker “heróica”.
Mas isso pode ficar para depois. Porque o coração dos Anônimos não está nessa atuação hacker heroica por detrás deles, embora seguramente o movimento se descaracterizaria quase completamente sem ela.
Onde está o coração dos Anônimos?
O coração dos Anônimos está em um dos novos focos e fontes de organização política, e um dos mais importantes da atualidade: as redes sociais, fóruns, chats e espaços para resposta e interação em Blogs.
Uma multidão de manifestantes nas ruas não explode ali do nada, nem a partir da pura e simples incitação de hackers éticos. Ela nasce nessas redes de diálogo e debate, e quem as acompanha tem mais compreensão do que está acontecendo nesse sentido, e maior poder de participação na coisa, maior poder de captar anseios gerais e provocar discussões (o que não significa “conduzi-las”, delírio tolo de uns poucos prepotentes muito ingênuos).
O que ocorre quanto aos hackers é que têm um acesso muito mais constante e uma sensibilidade muito maior para captar o que vai no coração dos Anônimos, e exprimir isso. Mas o coração está ali, e não nos hackers… que em geral, sabem muito bem disso.
Os novos focos e fontes de organização política no Brasil e no mundo
Escrevo este artigo (pequeno para os meus padrões) apenas para chamar atenção, otimista, para o que emergiu no mundo recente, e agora no Brasil, como novos focos e fontes de poderosa organização política.
São basicamente três: a) os campos de diálogo e debate na internet (redes sociais, fóruns, chats e campos de resposta em artigos de blogs, entre outros); b) os campos de análise dos acontecimentos e de opinião estendida na internet (sobretudo Blogs, como este aqui por exemplo); c) os ciclos de palestras, congressos, seminários etc., porque agora resultam em campos de análise e opinião estendida, e repercutem diretamente nos campos de diálogo e debate ou indiretamente neles através dos campos de análise e de opinião estendida.
Desses três novos focos e fontes de organização política, o mais anárquico e incontrolável, e também o mais potente e o que resulta em maior senso crítico e maior autocrítica é, sem dúvida nenhuma, o dos campos de diálogo e debate, ainda que esse senso crítico e essa autocrítica emerjam frequentemente de tensões e atritos, e da confrontação de divergências agudas.
Por outro lado, é verdade que o mesmo caminho que pode levar à convivência das diferenças pode levar também ao ódio e aos extremismos sectários, que só se resolverão na política e na rua. Aqui, a possibilidade do anonimato joga um papel importante na internet, tanto para o melhor quanto para o pior.
O jogo do anonimato e da manifestação assinada
nas relações ético-políticas via internet
Esse senso crítico e de autocrítica vai emergindo pelo caminho da convivência, da coexistência mais facilmente na medida em que exista possibilidade de anonimato nas colocações. É que sem a presença física, não há como “partir para a porrada” a não ser em palavras, e no campo das palavras entre pessoas que não estão necessariamente assinando em baixo do que dizem, mas participando do diálogo anonimamente com um personagem para se sentirem mais livres e dizerem o que pensam, tudo o que se disse sempre pode ser desfeito depois sob um novo personagem, de modo que os próprios sentimentos vão se ajustando em algo coletivo sem a necessidade do ajuste em um verniz de acordos de superfície que os reprime.
Por outro lado, o mesmo possível anonimato, se provoca a possibilidade da expressão sincera e do, digamos assim, contato mais direto das selvagerias dos corações, para que se ajustem uns ao convívio com os outros em nível de maior profundidade, com menor formação de diques de repressão para explosões futuras, estimula também as irresponsabilidades, as idiotices do fechar-se sobre o seu próprio ídios e impor-se aos outros sem qualquer consideração quanto ao que os fere ou não. E além de estimular isso, possibilita também a realização de impulsos sádicos de tortura psicológica do outro.
Os vários graus de anonimato, e o falso dilema
da oposição entre o anônimo e o assinado
O dilema da expressão anônima ou da expressão assinada, apesar das aparências, não é um dilema de dois polos excludentes e sem qualquer outra saída. É na verdade um falso dilema e não exprime de fato a realidade concreta do que se observa na internet.
Vamos esclarecer isto em dois tópicos mais ou menos prolongados. Sigamos então o primeiro.
O dilema não é real primeiramente porque a mesma pessoa pode ter (e tende a ter, pela dinâmica própria dessa nova mídia a interferir na política) suas atuações assinadas, autorais, e suas atuações anônimas — que no caso mais diminuto mas também mais marcantemente frequente estão no simples acesso a certos foruns e discussões sem entrar, apenas lendo e acompanhando, para examinar e captar os sentimentos que estão vibrando na internet nesta direção ou naquela, por exemplo). A pessoa pode (e tende a) oscilar entre suas navegações anônimas e assinadas na internet, distribuindo-se entre elas, de modo que sua formação política resultará, no conjunto, de uma atuação composta.
Um detalhe interessante aqui: a navegação anônima inclui muitos diferentes graus de anonimato, porque o que é uma navegação anônima em relação aos os participantes de um fórum, por parte de alguém que acessa esse fórum apenas para ler as postagens sem se inscrever, não é necessariamente anônima para os gerenciadores do fórum, que podem ter recursos para identificar o visitante. Nem é necessariamente anônima para grandes empresas internacionais que pesquisam (e vendem) informações e análises psicológicas sobre o número de acessos de certas regiões do mundo ou do país a certos campos da internet.
Do ponto de vista técnico, uma navegação na internet só é realmente considerável como anônima quando consegue disfarçar ou esconder o ip, o código de identificação do seu computador, conforme está navegando na internet. Se o seu browser de navegação na internet é o firefox, por exemplo, existe nele um recurso de navegação anônima, bastante limitado em termos de anonimato, mas que já aponta na direção do que estou dizendo — pesquise para ver… (no meu caso, utilizo mais de cinco navegadores diferentes, ora um ora outro, baseados em mecanismos diferentes de navegação da internet, e cada um com recursos diferentes).
Se o seu mecanismo de busca é geralmente o Google, seu anonimato também está bastante limitado. Pesquise a respeito. Experimente por exemplo utilizar um mecanismo de busca como o DuckDuck Go, voltado para a valorização da navegação anônima, e leia o que esses caras dizem quanto à sua política em relação ao Google. Algum mecanismo de defesa do anonimato na internet é realmente confiável? — Até o fundo?! Provavelmente nenhum. Mas há, como se vê, muitos graus de anonimato possíveis.
Segundo tópico (e mais importante) quanto ao
caráter de “falso dilema” da oposição entre o anônimo e o assinado:
transformação histórica do sentido de “privacidade”
Em segundo lugar, quanto à suposta oposição radical entre o anônimo e o assinado — e peço atenção quanto a isto porque é o mais importante aqui — esta mesma já mencionada oscilação das pessoas entre a navegação anônima e a assinada é na verdade sintoma de algo muito maior e mais profundo: é sintoma de uma transformação global no próprio sentido de “privacidade” e, por consequência, no perfil da antiga distinção entre “público” e “privado”. E isto, sem dúvida nenhuma, afeta drasticamente o que chamamos de “política”.
Falemos da atuação política dos agente individuais, e também da dos agentes propriamente políticos — que são os agentes coletivos. Estes últimos são agentes cujas ações tendem a ser naturalmente políticas, de modo direto ou indireto, porque são eles próprios intrinsecamente organizações forjadas na política, isto é, na convivência ou colaboração entre os diferentes ou até divergentes, de modo que para atuarem no que quer que seja, lidam necessariamente de algum modo com a “política” interna de sua composição.
A formação desses agentes coletivos não se dá necessariamente pelo contado direto, físico, pessoal, entre eles, para depois entrarem na internet. Há agentes políticos (coletividades) formados pelo próprio diálogo na internet. E os mais potentes talvez sejam os mistos, formados pelas duas vias.
Se considerarmos a questão da atuação assinada e da atuação anônima nas relações entre as pessoas que compõem um agente político, e dentro da própria atuação assinada considerarmos a questão da nossa interpretação do outro envolvida em tudo o que dizemos buscando algum efeito sobre o outro ou alguma interação com o outro que realmente o afete e nos afete, podemos dizer que há em tudo isso um forte elemento estratégico presente, e com ele, um forte elemento de jogo. A própria formação de um agente político (coletivo), conforme se processa, passa necessariamente por isso, por esse aspecto estratégico de jogo.
Resumindo a questão da transformação histórica
do sentido de “privacidade”: pela via do jogo e a caminho da arte
Pois vou resumir aqui o que vejo nisto, em termos de alteração profunda do próprio sentido de “privacidade” nos tempos atuais: caminhamos para uma recaracterização da “privacidade” como elemento estratégico básico de jogo comunicacional, e disto para, nos casos de maior radicalização da coisa, a privacidade inserida estrategicamente naquilo mesmo que está exposto, sob a forma da multiplicidade de interpretações possíveis, ou em outras palavras, sob a forma de arte.
E a arte — interessantemente, assim como também o jogo mas ainda mais do que ele, educa e refina a sensibilidade, educação que está na base da capacidade humana de sair da idiotice (isto é, do círculo fechado, ou prisão, do seu próprio “ídios”, do que lhe é idiossincrático e lhe diz respeito somente a si mesmo) e lidar com o que lhe é outro, transformando o seu “ídios”, o que lhe é único, em um diferencial, e não mais em uma individualidade atomizada, isolada e politicamente impotente.
Uma digressão irônica está me ocorrendo neste momento.
Ocorre-me agora que o Brasil, em especial, precisaria muitíssimo neste momento histórico de uma boa Carta sobre a educação estética do brasileiro (para insinuar uma referência a um filósofo romântico alemão politicamente radical de esquerda, Schiller), uma carta que realmente que realmente “pegasse”, junto à população. Mas “carta” nenhuma pegaria aqui — o que aliás é muito bom: o que “pega” com alguma chance é a prática habitual e lúdica (para suavizar explosividades agressivas) do diálogo com divergências. Prática que é na verdade mais fundamental em uma sociedade até do que sua “Carta” Constitucional (jurídica).
Por que se pode dizer que está ocorrendo um processo de
educação estético-política da população?
Deixemos mais claro por que estou falando sobre a necessidade de educação estética. Trata-se do seguinte: o antigo sentido de privacidade caminha atualmente, e com velocidade, para dentro do jogo do que se expõe (do que se desprivatiza, do que se publica), e daí para sua reformulação como interpretabilidade.
A privacidade se torna cada vez mais, atualmente, ocultamento estratégico em um mundo do exposto, e seu destino, neste sentido, nos casos de maior radicalização disto, é se transformar em dentro de uma multiplicidade de interpretações possíveis do que está ali exposto, desprivatizado, publicado. Como aquela de uma obra de arte quando o artista guarda para si mesmo, em segredo, a interpretação que ele mesmo (e talvez seus conhecidos íntimos) dariam para sua obra.
A privacidade passa a estar, cada vez mais, no próprio esconder estratégico do jogo, que é uma ocultação estratégica visando manter o jogo, isto é, visando não romper as relações em jogo, não romper a relação com o outro e; e ao mesmo tempo, visando de algum modo interagir com ele, afetá-lo mais adiante, para ser também, no decorrer do jogo, afetado pelo outro de algum modo.
Esperamos o que o outro ainda vai dizer, porque o diálogo, o jogo, continua. e ao fazermos isso, estamos aceitando um campo de ocultação, estamos sabendo, reconhecendo e aceitando um campo privativo do outro, como parte do próprio jogo de interação com o outro… o outro está, digamos assim, na coxia do teatro, se preparando para a próxima cena.
Entretanto sabemos que o outro não está preparado, com algo pronto, que irá apresentar para nós: sabemos que está apenas se preparando, porque o que irá apresentar para nós, o que irá dizer, expor, defender no próximo passo, é uma resposta ao que nós mesmos apresentamos a ele no passo anterior. Esse teatro portanto é uma criação coletiva, e evidentemente, não é “puro teatro” no sentido de uma mera diversão que vale por si mesma sem mais nada além dela: trata-se do teatro que discute um problema social real a resolver. O teatro do diálogo político.
Isto, esta atuação autoformadora coletiva, é o efetivo coração dos Anônimos, e é também o modus operandi do mais potente dos três novos focos ou fontes de organização política que mencionei. O coração dos Anônimos está em um deles, está no campo dos diálogos e debates, e seus princípios e valores enquanto grupo político deriva desse modus operandi de tais campos de diálogo e debate.
Para quem quiser entender os Anônimos
(e para quem quiser entender o mundo político atual)
Quem quer entender mais profundamente esse estranho, interessante e belo (mas talvez um tanto assustador em alguns aspectos, para algumas pessoas) fenômeno político que são os Anônimos, não fará suficiente se ficar examinando pura e simplesmente os hackers ativistas ligados ao movimento, embora os Anons se descaracterizem quase por completo e deixem de ser o mesmo movimento sem a presença desses hackers.
Quem quiser entender realmente os Anônimos (o que vale inclusive para os próprios anônimos envolvidos e seus hackers heroicos) terá que examinar a relação desse ativismo hacker com isto, e sobretudo, os efeitos disto sobre os próprios hacktivistas, principalmente sobre sua formação ética, que se altera em contato com os Anônimos — bem mais do que os efeitos em sentido contrário, embora eles não deixem de ser também bastante relevantes e até mesmo fundamentais na caracterização completa da coisa.
O mais importante contudo é o seguinte: as mobilizações políticas dos Anônimos estão na ponta avançada de um fenômeno político mundial mais amplo, conectado diretamente a essa tendência na transformação do sentido de “privacidade”. De modo que, na verdade, quem quiser simplesmente entender o que se passa na política mundial e mesmo na nacional hoje, precisa entender a força crescente desses novos focos e fontes de organização política, e em especial do mais potente deles, aquele onde está o coração dos Anônimos, o campo dos diálogos e debates na internet.
Quem quiser entender a política mundial e nacional atual terá que entender também esses outros dois focos e fontes de organização política, os campos de análise e opinião estendida (como por exemplo os blogs que tratam direta ou indiretamente de questões políticas), e os ciclos de palestras, congressos, seminários etc. — aos quais chamarei de campos presenciais de análise e opinião estendida.
A dinâmica das relações entre esses
diferentes novos focos e fontes de organização política
O poderoso campo dos diálogos e debates se alimenta desses outros dois campos ora de maneira ora crítica e seletiva, ora servindo-se deles acriticamente, mas não exatamente como fontes de “informação”, e sim tomando-os sem real atenção a todo o conteúdo; tomando-os apenas como “inspirações” ou “fontes livremente interpretáveis de ideias”.
Destarte frases de efeito lançadas no campo das análises e opiniões estendidas tendem a ter mais repercussão no campo dos diálogos e debates do que qualquer outra coisa, mas dificilmente qualquer dos efeitos ou repercussões específicas que se pretendeu efetivamente provocar ao dizer aquilo.
O campo das análises e opiniões estendidas, por sua vez, se alimenta da mesma maneira daquele outro campo de análises e opiniões estendidas, que é o campo presencial dos debates, seminários, conferências etc. Esse campo presencial, note-se bem, nunca antes teve tanta repercussão na política como atualmente.
O que se diz nos jornais e na mídia televisiva atua também como uma região menor (e menos influente) mas também presente, dentro do campo das análises e opiniões estendidas (não-presenciais). E por vezes adquire uma influência um pouco maior, mas apenas em termos de provocação, em termos não-diretivos, porque dentro do próprio campo das análises e opiniões estendidas os blogueiros e afins muitas vezes se alimentam nesses veículos, mas pelo mesmo procedimento da alimentação crítica e seletiva ou, quando acrítica, meramente “inspirada” livremente naquilo, sem consideração real dos conteúdos.
O caráter potencialmente revolucionário
dos novos focos e fontes de organização política
O que se diz nos campos de diálogo e debate, nos campos de análise e opinião estendida, e até mesmo nos campos presenciais de análise e opinião estendida (congressos, seminários, conferências etc.)… tudo isto agora é acessível por qualquer um que acesse a internet — e essa condição, muito mais profundamente revolucionária do que se imagina, de inclusão digital — é o que transforma essas coisas nos novos grandes focos e fontes de organização política.
Por que isto é revolucionário? Porque isto é uma mudança que afeta os próprios meios materiais de formação dos agentes políticos coletivos — que são os mais poderosos e politicamente significativos.
De que modo e em que medida o potencial revolucionário
dos novos focos e fontes de organização política
afeta hoje o Brasil?
Como a inclusão digital da sociedade civil organizada ainda se limita, no Brasil, à sociedade urbana de classe média e às vezes média-baixa desligada do operariado e do campesinato, ainda há muito caminho pela frente. Mas nem todas as camadas economicamente mais baixas e com potencial de ação política revolucionária podem se reduzir a essas duas (o operariado industrial e o campesinato), que ademais já têm em todo mundo os traços conservadores também presentes em seu perfil clarissimamente e fartamente demonstrados.
Prefiro observar, então, que independentemente disto e antecipando-se a isto, diversos setores de camadas economicamente mais pobres da população urbana jovem de periferia, em geral estudantes de origem economicamente humilde, já estão se incluindo digitalmente com velocidade e, em muitos casos, já coletivamente autoorganizados de saída, sob o impulso desordenado e sem direção de uma multidão de pequenas ONGs pobres mas muito ativas, voltadas para a educação de jovens carentes, às vezes sobrevivendo às custas do apoio de outras maiores.
A penetração desses jovens de periferia nas internet, e sua participação nos campos de diálogo e debate, já vem mudando o sentido dos vetores de formação de outros agentes no Brasil há algum tempo.
Esta inclusão digital ainda em processo, faz emergir por sua vez o processo de reestruturação, de reorganização da sociedade civil, após nossa saída da ditadura e neste nosso lento (e ainda inicial) processo de libertação da nossa hospedagem do opressor (pesquisem sobre o assunto, é um conceito do educador Paulo Freire).
Mas o mais interessante em tudo isto, é esperar (ou buscar) por novas camadas da sociedade que ainda estão para penetrar nesse terreno virtual da nova política, camadas ainda não atingidas pela inclusão digital. Não porque sejam camadas em si mesmas “revolucionárias” por alguma “tarefa histórica” a que estejam predestinadas ou qualquer estupidez do gênero, mas simplesmente porque (é muito provável), arrastarão para dentro disso tudo uma nova e muito mais interessante fonte de alimentação para os demais agentes políticos: suas condições materiais locais de vida, e os acontecimentos mais dramáticos que vão afetando essas suas condições de vida.
É que tais camadas, ainda não incluídas, se acostumaram a alimentar nisto seus pensamentos. E se estiverem de fato mais enraizadas nessa materialidade (hipótese caracteristicamente marxista), causarão considerável impacto informativo e realimentador em todo esse circuito. Vale observar que estará, neste caso, gerando um tal impacto no circuito informativo não será propriamente a inclusão de “operariado industrial” ou a de “trabalhadores do campo”, e sim a inclusão de comunidades locais específicas que convivem sob as mesmas condições, e frequentemente inclusive marcadas por condições geográficas muito específicas.
Um sorriso irônico final,
para irmos parando por aqui
com uma avaliação mais saborosamente pessimista
De minha parte, entretanto — bem mais pessimista do que o conjunto do que disse aqui pode dar a entender, visto que sou educador, e o que apontei foi justamente o deslocamento de questões educacionais para o centro de tudo na política atual — creio que o impacto informativo da inclusão digital de novas comunidades, se não for devidamente aproveitado, poderá resultar no oposto daquela realimentação que mencionei de todo o circuito político
Creio que essa inclusão pode talvez resultar, pelo contrário, na “internetização” desmaterializadora do foco de atenção dessas camadas sociais, levando-as a darem mais atenção ao que está ali, na internet, do que àquela sua realidade toda que arrastaram para lá, oriunda de suas vivências.
Toda essa nova política internética, se traz algo de interessante que me atiça um certo otimismo, por outro lado tende a aguçar também em mim um certo pessimismo socrático, como aquele que se podia ter diante de todo o otimismo democrático (mas de um democratismo superficial e demasiado moderado em face das possibilidades daquela época) dos famosos Sofistas…
(Mas em que medida não era o próprio Sócrates, afinal de contas, digo o Sócrates histórico, um tipo especial de sofista, mais radicalmente democrático? — …Ou será que algum estudioso consistente do assunto ainda acredita, seriamente, que Sócrates era aquela caricatura antidemocrática e elitista imaginada por Platão?!)