Esta é uma versão revisada do post original — sem correções de conteúdo no fundo, apenas de melhor esclarecimento do mesmo (o que reconheço que faz considerável diferença), e correções formais, como subtítulos etc., de linguagem e de digitação.
sumário
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Respondendo a um aluno, sobre Janine no ministério
Outro dia um aluno me perguntou o que achava do Renato Janine entrar pro Ministério da Educação. Tive nítida impressão de que ele esperava um ataque crítico meu… e de que ficou decepcionado. Minha resposta foi “Acho corajoso, admirável, tem o meu apoio” Agora, pensando melhor, acho que deveria enfatizar muito mais ainda meu posicionamento favorável em relação ao Janine na pasta da Educação.
Acho um bom nome (excelente, aliás).
Na verdade, Janine foi meu meu professor de Ética e Política na USP. Um dos melhores, e aprendi a respeitá-lo e admirá-lo. Muito. Ainda que discordando dele em muitas coisas. É o melhor nome para esse ministério que consigo imaginar.
Só não acho que faça realmente diferença profunda apenas um bom nome em apenas um partido (e com orçamento diminuído). No caso do PT, acho uma batalha ainda mais dura, por causa do estado em que o partido está por dentro e “por fora” — “por fora” quero dizer em termos de apoio público, de legitimação em sentido político para suas ações, “por dentro” já se sabe muito bem o que quero dizer, não carece de explicação.
Acho um nome como o do Janine pode ajudar talvez um pouquinho sim (por dentro e por fora)…uma palha. Mas acho também que uma palha é pouco, é apenas um sinal de busca de caminho decente e inteligente por parte desse governo já tão decaído. Janine é marcado por um perfil ético com uma credibilidade que poucos têm, um cara com um histórico consistente na área além disso, e com uma capacidade diplomática ímpar, coisa que para o governo PT hoje pode ser crucial para que possa fazer o mínimo (não que tenha visto até agora, sinceramente, o PT fazer algo mais do que o mínimo, se é que tanto, na área de educação).
O Janine é inclusive um antigo simpatizante do partido mas que mostrou sempre ser uma cabeça independente e crítica, já tendo reclamado publicamente o partido ter abandonado seu discurso ético assim que subiu o poder. Terem escolhido um cara independente e crítico, ainda que simpatizante, é a meu ver um excelente sinal… de bom senso democrático para dizer o mínimo, por parte do governo Dilma, nas atuais circunstâncias.
Um primeiro ponto quanto a meu posicionamento
em relação ao PT e a partidos em geral
Na resposta ao tal aluno, acrescentei também que eu não teria entrado no lugar de Janine. É verdade, não teria. Não por falta de coragem, embora ache que tentar contribuir de algum modo entrando num governo tão mal falado a ponto de se poder caracterizar isso como crise política, exija mesmo coragem. Disse que eu não entraria porque que não vejo razão de “salvar o PT” ou “salvar a governabilidade” ou qualquer coisa assim (aliás, se querem saber, “ingovernável” é um adjetivo que me agrada muitíssimo e me soa elogioso, e não o contrário). E acho isso mesmo.
Assim como por outro lado também não acho que “derrubar a Dilma” ou “derrubar o PT” vá resolver qualquer dos problemas políticos do Brasil — ou que ser “ingovernável” signifique querer derrubar um governo… (se alguém quer pintar minha cara de alguma cor e não permito que o faça, não quer dizer que esteja querendo agredir ou derrubar essa pessoa, na verdade essa pessoa é quem quer o que não devia).
Nem salvar nem derrubar. O que acho é que trocar partidos e nomes no governo pode ajudar apenas em questões estratégicas de momento para o Brasil, talvez fazer, no máximo, alguma diferençazinha, neste específico momento (ainda que a diferença pareça grande num olhar imediatista como o que tendemos a ter, nós que vivenciamos com emoções essas coisas da política neste específico contexto histórico, e neste pespecífico pedacinho de nossa vida pessoal dentro desse contexto).
Não acho que problemas históricos profundos como os que temos possam se resolver magicamente por novos nomes no governo (por melhores que sejam) ou mesmo por novos governos. E acima de tudo, acho perigoso, perigosíssimo, que um partido construa (como o PT construiu) uma auto-imagem no estilo salvacionista, e como se fosse uma “entidade” da qual os “seguidores” “fazem parte” apaixonadamente… (uma entidade que agora precisaria ser “salva”, ou à qual seria preciso “demonstrar fidelidade” etc.
Não acredito que o Janine tenha aceito entrar para o ministério pensando nisto, em bobagens como “salvar” um partido de discurso tantas vezes salvacionista e que agora está “em perigo”. Não acho que a intenção seja a do cavalheiro diante da donzela em perigo. Acho que a situação é outra. Acredito (ou interpreto e aposto, para ser mais exato) que o Janine tenha entrado pensando, corajosamente, em tentar contribuir para a nossa vida social, no enfrentamento de uma situação delicadíssima, um momento em que há conquistas sociais esboçadas ou iniciadas mas não firmes, com risco de retrocederem, e feitas de uma pessima maneira, com custos especialmente éticos (e eu acrescentaria financeiros) terríveis para o país.
(Pessoalmente, aliás, eu diria que esses esboços de conquistas sociais foram realizados muito mal, horrivelmente mesmo, a ponto de forçar a pensar se desse modo vale a pena, e pessoalmente, digo que não, absolutamente não).
Os fins justificam os meios? Cantarolando a
Vida de Gado… (ou como o boiadeiro morreu)
Em meu entendimento, os fins só justificam os meios para oportunistas medíocres e completamente ignorantes em relação a Maquiavel. Maquiavelianamente falando, os fins só justificariam os meios se compensassem esses meios, e em minha leitura em tom mais pessoal, se os compensassem muito largamente a ponto de torná-los irrelevantes. Entretanto, por outro lado (e aqui meu referencial são os anarquistas, sobretudo Proudhon e Malatesta) o fato é que os meios determinam os fins e resultados, de variadas maneiras e em variados graus.
E acho que parte das desgraças na história política da humanidade está em que os fins e resultados determinam superficialmente, e de maneira que pode perdurar, a primeira imagem de contato que temos com o que foram no passado os meios, caminhos, percursos para se chegar ali — de modo que isto oferece um grande estímulo, por vezes irresistível, para os oportunistas medíocres e completamente ignorantes em relação a Maquiavel, mas que adoram citá-lo.
O modo como esse partido (o PT) tem empreendido essas (valorosas sim, ainda que miúdas) conquistas sociais, tem muito disso, desse maquiavelianismo superficial e carregado de expectativas feias e oportunisticamente otimistas quanto ao julgamento histórico dessas coisas no longo prazo. Ainda que realmente tenha empreendido esses esboços de realizaçoes sociais, com algumas boas bandeiras, esse modo de empreendê-las tem consequências gravíssimas especialmente para a educação ético-política da população em sentido indireto e informal.
Ou alguém acha seriamente que tudo o que está acontecendo nas altas esferas partidárias e caindo na mídia dia após dia contribui para a boa formação ético-política do brasileiro? Não acho. Por outro lado, não acho que o povo vá simples e diretamente se espelhar no governo, ainda que haja sim tais influências maléficas (por exemplo… partidos e governos corruptos = povo corrupto). Os protestos têm mostrado que que faltam elementos nessa equação pela qual alguns interpretam as coisas. Vejo neste sentido a reviravolta de passeatas na rua, de fato, como uma surpresa excelente.
Se me permitem um pouco de humor, vejo nisto tudo que está ocorrendo no Brasil, em ruas como por exemplo as de São Paulo, uma mostra clara de que não se trata mais apenas do que se descreve naquela velha música… “eh, eô, vida de gaaado… povo marcado eh ô, povo feliz!”, cantarola alegre e distraidamente o boiadeiro tentano olhar pra outro lado (kkkk! huahuahua!) — mas já se vê que “feliz” uma pinóia, e que olhar pra outro lado não vai dar bom resultado: o “gado” histórico mudou, está aprendendo a dar coices.
Só que por outro lado, como já disse, a questão do exemplo maléfico paradoxalmente não deixa de vigorar também em grande medida. E o exemplo das forças públicas (e não digo PT, digo políticos oficiais em geral, dos mais variados partidos) não tem sido nada bom. A sensação que dá é de o Brasil ser uma terra de ninguém, em clima de cada um agarre o seu. E aí, o primeiro pensamento que passa tende a ser… se abusam de mim, vou também tirar minha “lasca” de outro alguém! (Já andei falando sobre o conceito de “hospedagem do opressor” do Paulo Freire, que aprendi numa música do Tom Zé…)
Fragilidade das “conquistas” sociais. A educação e
o problema ético da “terceirização” de responsabilidades
Situação delicadíssima essa em que o Janine resolveu encarar entrar, porque a única força partidária (ainda) suficiente para garantir as poucas evoluções no terreno social, em face de outras forças que querem se aproveitar do momento de crise política como aves de rapina (tomando do social para o alto setor privado), a única força (repito, partidária) resistente de algum peso (mais uma vez: em termos de partidos), em defesa das mal e porcamente esboçadas conquistas sociais recentes do país, parece ser justamente essa… me desculpem a expressão, essa puta esculhambação penetrada de associações político-criminosas que se tornou o PT. (Atenção para uma pergunta: partidos são a “única força” para a manutenção de conquistas políticas? Ou ainda: são a maior e a melhor?)
Observação: o que esclarece melhor minha posição, quando digo que no lugar de Janine não teria entrado, por mais que o apoie ali, não é o “puta esculhambação penetrada de associações político-criminosas” que escrevi acima, porque estas aspas só exprimem realmente minha admiração pela coragem do cara de se meter ali, e tenho a vaidade de me considerar também um cara razoavelmente corajoso. O que esclarece melhor minha posição são as questões que estão entre parênteses no final do parágrafo acima.
Assim, de meu ponto de vista, o mesmo partido que esboçou uma série de conquistas sociais, ajudou (muito) a criar as condições para que fossem derrubadas em seguida — o que agora é uma ameaça em já curso com coisas como por exemplo a tal exacerbação da terceirização. Janine diz que estamos no Brasil mal acostumados a terceirizar a educação ética, que deveria ser realizada sobretudo no seio familiar.
Concordo acima de tudo com o terceiro pano mais profundo nesses dizeres do Janine (o segundo é, da parte dele, uma evidente referência ao caso da terceirização correndo no legislativo brasileiro, que a meu ver teria efeitos absolutamente danosos sobretudo entre educadores). O terceiro pano de sentido no que o Janine disse, se não me falha a leitura, é o seguinte: terceirizamos demais as nossas responsabilidades, em nossa sociedade.
Isto é o que me leva a pensar quanta gente do alto capital nos meios educacionais não está com os olhos postos na já tradicional e histórica baixa fiscalização de todos os dispositivos criados para, supostamente, garantir direitos aos trabalhadores. As leis acabam valendo na prática por aquilo que os interessados mais fortes querem e conseguem driblar ou impor na fiscalização (Alguma universidade privada do Brasil realmente leva à sério, por exemplo, os impedimentos legais quanto à diminuição de cargas horárias de professores, ou o recomendável quanto ao pagamento para atividades de pesquisa e de orientação do alunado em pesquisas, e tantas outras coisas?)
A área da educação me parece ter sido quase sempre a mais sensível de todas, nesse sentido, e no momento, mais uma vez, a mais ameaçada. Uma daquelas em que os custos (éticos, financeiros, em qualidade etc) sempre foram os maiores e mais graves para os menores benefícios, apesar de os avanços educacionais apenas esboçados (e com muitos enormes equívocos) acabarem um tanto mais generalizados para outras camadas da população.
Existe algum interesse em “salvar” o próprio salvacionismo?
Uma proposta um tanto mais crua e dura
É claro, quando descrevo o que acho que significa essa entrada de Janine no Ministério da Educação arriscando-me a insinuar o que estaria em suas intenções, estou plantando palavras na boca do Janine que não são as dele, estou fazendo isso imaginariamente, e nisto estou também, é claro, misturando muito de meu. Estou seguro que ele não diria nada disso, não descreveria a situação de sua entrada no governo desse modo (ou se o dissesse, se descrevesse, o faria com uma elegância e discrição que eu, realmente, não tenho nem de longe, porque não sou tão competentemente diplomático, e ainda por cima sou, confesso que até por opção, um pouco tosco, um pouco troglodita às vezes).
Mas aposto mesmo, muitas fichas, nessa minha interpretação de que o que ocorre ao Janine, como intenção, não é algo como “ajudar a salvar a Dilma” ou “ajudar a salvar o PT”, e sim ajudar a salvar e fazer avançar por caminho um pouco mais consistente algumas conquistas sociais esboçadas na área de educação, em um momento em que o esculhambado defensor dessas coisas (o governo PT) se mostra estrategicamente fraco e até ferido. Não acho que o Janine esteja com os olhos postos no partido, acho mesmo que está com os olhos postos no objetivo social envolvido.
De qualquer modo, Janine entrou para o governo. Fato. Revela coragem, mas revela também uma postura, que não é exatamente coincidente com a minha, embora não me pareçam, a princípio pelo menos, posturas necessariamente inpossíveis de harmonizar.
Até que ponto ele concordaria comigo quanto ao que vou dizer agora, realmente não sei, mas digo que um partido é uma ferramenta, como um alicate ou um prego. Apropriada para certas (poucas) coisas, não para outras. E a meu ver, nada mais deprimente e ridículo (e doloroso inclusive) que uma pessoa se apaixonar por um alicate ou um prego, não?
Vou dizer aqui uma coisa que vai parecer bizarra para alguns, mas é o que penso:
1 – ferramentas (como um partido) não são neutras, porque nada é (tudo tem formas, e as formas determinam condições de uso e campos às vezes muito bem determinados e restritos de resultados possíveis desses usos);
2 – ferramentas devem ser “utilizadas” por pessoas visando projetos, propostas, realizações… e não o contrário, pessoas não devem ser “utilizadas” por ferramentas (por exemplo partidos), e menos ainda, ter os seus projetos, propostas e realizações determinados por ferramentas (por exemplo partidos); caso contrário, os fins serão determinados conforme os limites que as formas da ferramenta impõem, e não conforme os interesses humanos;
3 – tratando-se de projetos, propostas, realizações de interesse público, não devem ser subverdidos para fins atados a interesses estritamente privados de quem quer que seja.
Conclusão: deveríamos aprender com esse pessoal do capitalismo criminoso (essas associações político-criminosas que buscam acumular capital às custas do capital público), e utilizar esse aprendizado em favor do público e de uma convivência política eticamente saudável. Porque para essa gente utiliza os partidos exatamente como aquilo que são: ferramentas, e nada mais. Não há “fidelidade” partidária, não há “paixões” em relação a este ou àquele partido. Entram e saem, utilizam livremente, atravessando todos os partidos, e assim, vão conquistando o que querem.
Contra o fisiologismo e a irresponsabilidade
política: projetos, propostas… partidos?
Estamos, a meu ver, presos demais a uma antiga propaganda (extremamente capciosa) no sentido de que os verdadeiros projetos, propostas e realizações, orientados por valores e pelo interesse público, deveriam ser obra de partidos, uns em oposição aos outros, cada um tentando realizar os seus e derrubar os dos outros. E de que seria preciso então sanar os partidos nesse sentido, torná-los “programáticos”, cheios de planos e projetos, cheios de propostas, para só então podermos começar a realizar tais coisas (através dos partidos).
Só que isto é falso. Projetos, propostas, realizações, se são do interesse público, deveriam emergir da própria sociedade civil organizada, isso sim, para então serem encampados e levados adiante por pessoas e grupos de pessoas distribuídas pelos mais variados partidos, aquelas pessoas e grupos efetivamente comprometidos com tais propostas e projetos.
Os partidos, em suma, que se lixem! Se quiserem, que apresentem suas sugestões à população, como qualquer outra organização social poderia fazer. E aí veremos em quê as pessoas votam, porque em qual partido ou em quem tem na verdade interesse quase zero. Quem sabe assim os partidos não retrocedem um pouco de sua institucionalização sistêmico-funcional perfurada por vermes fisiologistas e oportunistas que a manipulam, em direção à sua fonte como coletividades ainda vivas entre pessoas que respondem por suas posições?… (entretanto, num tal retrocesso à informalidade, em algo tão grande como um partido político, hoje, não fariam a festa os oportunistas e os que se esquivam de responder ao que fazem?! Incham visando o poder, e o inchaço absorve esses vermes.
Espero sinceramente que o Janine, se acha que pode conseguir realizar alguma contriuição social ali, consiga se imunizar e aguentar firme sem desistir e cair fora, no interior da esfera mais corruptora de um partido (qualquer partido), que é, naturalmente, aquela esfera do partido que em nome dele todo atinge posições de poder. Desejo boa sorte. Mas minha parte, o que digo (e defendo) é: que se lixem os partidos!
As questões relevantes, a meu ver, não estão nem de longe ligadas realmente e a fundo à questão “qual partido?”. As questões relevantes são as do seguinte tipo: quais as propostas em jogo? Quais a sociedade realmente quer levar adiante? Quais as ferramentas (por exemplo partidos) no momento mais aptas a serem utilizadas com maior eficácia para levarmos essas propostas adiante? E só então, finalmente… quem poderia gerenciar melhor a realização disto, em vista do perfil das propostas e das ferramentas disponíveis?
Se os gerenciadores não se mostrarem competentes, deslocamos a realização para outros melhores, deveria ser simples assim. Se certas ferramentas não estão se mostrando úteis, jogamos de lado na caixa de ferramentas ali ao lado, e pegamos outra. Deveria ser simples assim.
Mas no Brasil, ainda nos agarramos a um belo alicate desesperadamente, mesmo quando ainda se trata de tirar um parafuso da parede, e nos contorcemos feio o diabo tentando “salvar a utilidade” do alicate para o caso do parafuso, por meio de mil gambiarras.
No Brasil, ainda ficamos sempre esperando “alguém” no poder que irá “mudar as coisas”, ou um partido que, com algum discurso salvacionista, atue como uma espécie de igreja, de modo que lá no fundo, parece ser deus ele próprio quem está manipulando a ferramenta, pelo bem social!
E quando aparece um bom nome (como o do Janine) vamos logo correndo perguntar o que é que essa pessoa pretende fazer. Me desculpem gente… mas haja santa paciência! Será que ainda não saímos do jardim da infância?
Acho muito interessante o Janine começar, entre outras coisas, sugerindo o que ele acha que as famílias deveriam fazer, e os diretores de escola por exemplo, sugerir orientações, ao invés de soluções mágicas que viriam lá “do alto”…sinceramente, estou farto de esperar “soluções” prontas. Quem quer algo, devia se meter a fazer acontecer… ora cacete!
E em se tratando de algo de interesse público e coletivo, deveria se meter a fazer coletivamente e publicamente, dialogando, sugerindo, propondo, tomando iniciativas e divulgando-as — que são também um modo de dizer sociedade, sociedade, vejam aqui o que nossa turma está experimentando, o que acham, não é uma ideia que podia ser ampliada e levada adiante…?
O Janine mencionou buscar a criatividade. Acho que o melhor modo de fazê-lo seria pesquisar as iniciativas sociais já em curso em termos de educação, por exemplo em atividades que rolam nas periferias de cidades como São Paulo, e outras.
Agora me permitam mostrar um pouquinho do lado da minha cara que está na sombra: não acho que isto também levaria de fato o governo a “atuar melhor”. Não acho que governos (de qualquer tipo) sejam uma coisa que preste. Acho apenas que há maneiras melhores de lidar com tais instituições, e que não há como nos livrarmos de algum conjunto de construtos coletivos organizacionais institucionalizados (“governo” é um certo tipo de conjunto desses).
Para ser bem sincero, tenho uma visão muito pessimista disto que chamamos de “instituições” de um modo geral, que é o que me afasta de uma de minhas maiores influências em filosofia, Cornélius Castoriadis. Acho Castoriadis excessivamente confiante em relação às “instituições”. Sou mais pessimista e mais radical quando a isto. Vejo-as como um mal desnecessário e pernicioso do qual infelizmente não conseguiremos jamais nos livrar. Porque são, me parece, uma espécie de doença congênita do bicho gente, assim como essa outra doença chamada “crença” (no que quer que seja).
E acho que na presença desses males (incontornáveis) tendemos a nos “estragar”, a “apodrecer” em termos éticos (mesmo quando não nos damos conta disso). Mas acho também, por outro lado, que temos recursos pelos quais podemos minimizar tais estragos e até mesmo “melhorar” certas coisas na vida na direção de certos valores que acaso defendamos, dependendo do modo como lidamos com esses males, gerenciando a presença deles em nossa vida coletiva em favor do que chamo de política, pensando isto mais ou menos como uma interação social constantemente negociada entre as divergências.
Resumindo a história, essas coisas acabam por me conduzir à noção de que deveríamos sempre, coletivamente, tomar a iniciativa, e construir nosso ambiente vital. Não esperar ou pedir que o que queremos venha de certas “instituições”, ainda por cima tomadas por interesses privados que as atravessam arrastando-as pra lá e pra cá com força indomável. E de que quando essas instituições impõem barreiras, ou nos impõem o que não queremos, ou tomam nossos recursos construtivos (por exemplo financeiros, via impostos) para não fazerem nada do que queremos, deveríamos simplesmente arrancar dessas instituições, pela via pressão coletiva, nas ruas, o que é do nosso interesse público, coletivo, politicamente negociado entre nós no conjunto a sociedade.
Qual a instituição que está lá? Quem está nos mais altos cargos nela? — Que importa, desde que o interesse público, as carências sociais, etc., estejam realmente sendo atingidos de acordo com o que a sociedade deseja e mostra desejar, exigindo nas ruas, e sem o custo produzido pela infiltração dos interesses privados do capitalismo anti-social lobista e do capitalismo criminoso, filiado à corrupção?
Danem-se os partidos! Quanto a eles, temos que raciocinar fria e estrategicamente, tal qual um bandido de associação político-criminosa, ou um fisiologista descarado, com a diferença de o pensarmos visando o negociado pelos agentes sociais coletivos de toda a sociedade, como sendo o “interesse público”. Usamos as ferramentas que estiverem sendo úteis enquanto estiverem sendo úteis, na medida em que o estejam, e naquilo em que o estiverem, nada mais. Descartamos quando não prestarem mais para isto, fria e secamente (e de preferência, agilmente). Fim de papo. Isto é o que penso.
Enfim, era o que tinha a dizer por enquanto.
As razões da demora em manifestar meu apoio
Em tempo: estou preparando um outro artigo, sobre minhas divergências em relação ao movimento político dos Anônimos, paralelas às minhas convergências e simpatias pelo movimento.
Tenho elogiado muito a estética da ação política dos anônimos em relação à dos Black Blocs (que também não deixa de me fascinar). Gente que tem acompanhado meus textos pode vir a achar que minha posição é, pura e simplesmente, uma tentativa de expressão das posições dos Anônimos. Não é, embora confesso que haja um pouco disto.
Uma das várias razões da demora em manifestar meu apoio ao Janine está até certo ponto ligada a isto, está em minha proximidade com a linha de pensamento com os Anônimos e em minha interpretação dessa linha de pensamento na direção de um anarquismo ético de tipo especial… e no esforço de não me publicar excessivamente contraditório em meu apoio a esse tipo de mobilização e a um ministro no governo — procuro manter-me só o bastante contraditório para ser educacionalmente provocativo.
Meu posicionamento real tem um perfil que combina essa postura dos Anônimos com coisas de perfil menos estritamente ético, e mais mergulhado em certas questões econômicas, combinando um certo “trabalhismo” com uma coisa que ainda não detectei com precisão de onde tirei em todos os seus traços.
Não detectei, mas sei que é talvez, possivelmente, oriunda de antigas visões políticas de pequenos artesãos muito explorados, mas organizados e rebeldes de séculos atrás… só não está perfeitamente claro em detalhes o que preenche o gap de lá até minha formação pessoal, isto é, como foi que aquele modo de pensar e sentir, ou melhor, que um modo tão similar àquele, e veio parar aqui neste corpo que sou eu. Percebo, neste sentido, que tendo a enxergar o trabalho e aprendizado como duas coisas que se fundem. Entretando, se fundem não na direção de qualquer educação puramente tecnicista, mas na direção da arte mesmo.
Outro fator no meu atraso em manifestar meu apoio ao Janine foi a alienação à que fui arrastado pelas pressões de trabalho. Este foi o fator mais forte de todos. Quase que esqueci do mundo, e as escapadas que dei para rapida e esculhambadamente escrever e publicar alguma coisa de política, foram diretamente ligadas a coisas que já vinha pensando, e não a ocorrêncas do momento político atual examinadas com o devido cuidado.
É que estou vivendo em um ritmo e condição de trabalho muito interessante e educativo para mim, fascinante mesmo, porque me faz ter um vislumbre maior e passionalmente mais significativo, pela via analógica, do que significava viver em uma ditadura — pois os períodos mais duros da ditadura militar, os vivi apenas ainda criança, e fui um tanto protegido dos aspectos mais duros da coisa.
Pensando nisto, acho que tenho ainda algo mais a dizer.
Se neste presente artigo procurei exprimir minha saudação crítica ao novo ministro da educação, mas acima de tudo, à pessoa de Renato Janine, a quem admiro, acho que cabe encerrar com uma breve interpretação pessoal de algo dito por ele.
Em meio às declarações públicas do Janine, após sua aceitação do ministério, ele disse que via a educação não como mera transferência de informações, mas como algo libertador. Vejo do mesmo modo. Mas para mim, esse caráter libertador está precisamente no ponto de fusão entre trabalho, aprendizado e arte (acrescentando que a ética, para mim, é uma estética da ação, portanto incluída também no que chamo de “arte”).
O último dos fatores que, finalmente, me levaram a demorar para exprimir meu apoio (ainda que crítico) ao Janine, é talvez o mais interessante, possivelmente irrelevante, mas sem dúvida o mais divertido.
Queria ter escrito há mais tempo sobre a entrada de Janine no Ministério da Educação, e cheguei a começar algumas linhas. Não publiquei o que estava começando a escrever da primeira vez apenas porque fiquei chocado comigo mesmo quando comecei a escrever… é que queria exprimir meu apoio, mas sem querer, ao invés de “novo ministro no Ministério da Educação”, escrevi “novo sinistro no Cemitério da Educação”.
Aí parei de escrever e apaguei, e fiquei pensando um bom tempo sobre o que havia escrito ali sem querer. Espero que este artigo deixe claros os resultados dessa reflexão, em que examinei mais a fundo o que sinto em relação ao caso, além daquilo que penso digamos assim, mais intelectualmente…