Toda ação ou movimento, todo correr de tempo, toda diacronia, implica uma abstração. Do caldo ou jogo de possibilidades uma opção se desenha e recorta, é selecionada e focalizada pela ação, é realizada em detrimento de todo o resto do possível. Mas essa abstração não é real: ela é apenas um ocultamento. Ela só abstrai focalizando algo em detrimento do resto. Esse seu resto, poderoso, permanece oculto na sombra. São mil associações que se escondem por detrás do enfocado. Mas pelo ato mesmo do enfoque, a seleção focalizada se torna referência para tudo o mais que está na sombra. O caldo dos possíveis se altera, se modifica no escuro, se remodela por completo, a partir dessa nova e central referência.
Além disso, a ação se engaja em uma rede de interações que se constitui no ato mesmo em que ela se dá. Esse engajamento não só a altera, mas faz saltar dela outras associações possíveis, para além daquelas das sombras, associações que se deram a partir de suas formas, focalizadas na luz. E finalmente interagem, as associações da sombra e as da luz, remodelando o conjunto das associações para aquele ato. A ação, o movimento, a diacronia, têm sempre uma virtude penetrante. Mas em sua abstração, vão penetrar em quê?
Toda aparência tem um elemento espetacular, isto é: separa, aliena de si aquele para quem aparece, o espectador da aparência, ao mesmo tempo que o atrai, magneticamente, e nesse lapso de distanciamento em relação ao espectador, as partes da imagem passam a parecer para ele mais unidas: elas se atraem também umas às outras. Conforme o espectador se distancia, os elementos da aparência, aos seus olhos, se aproximam. A aparência tem um traço alienante, e ao mesmo tempo, uma virtude magnética, uma virtude atraente. E na sua sincronia abre mil possibilidades de leitura, de diacronização, decodificação histórica, conceitual.
A tridimensionalidade espacial permanece aparente e espetacular. Mas torna possível a penetrância, capaz de romper parcialmente a alienação.
A quadridimensionalidade, as três dimensões espaciais mais a temporal, proporcionam a vivência — que vence finalmente a abstração diacrônica da historicidade e do conceito, e a alienação sincrônica da aparência, bem como a que resta da tridimensionalidade. Porque reintegra tudo em nosso gesto vivente.
26/Fev/2013 (com pequenas correções em 1º de Junho)