Filósofos têm bichos estranhos de estimação. Pascal tem uma mosca zombeteira, que esculhamba os gráficos cartesianos. Nieztsche, além da águia e da serpente, e além de seu camelo, seu dragão e seu leão, também tem uma mosca musculosa que atormenta uma aranha assustada (…e que caiu na sopa de um roqueiro brasileiro). Nietzsche tem talvez mais bichos ainda que isso, ele tem um zoológico inteiro. Pra cuidar tem que ser um super-homem, ter um deus dançarino por dentro. Flusser tem uma ameba linguística, e tem também a sua moscaranha, que se transforma ora numa coisa ora noutra — porque todo herói é carente, todo herói tem também suas cáries. E que estranhos bichos de estimação, aqueles que fazem as cáries… minúsculos mesmo, minúsculos! Mas Flusser tem além disso um terrível, um gigantesco e orgiástico polvo, agressivo e multicolorido, e que muda suas cores toda hora… vampirotheutis infernalis! Caramba, não é qualquer um que tem um polvo. Flusser é o homem-aranha.
Nietzsche e Flusser estão num limite. Em outro estão Hobbes e Rousseau. Hobbes tem um lobisomem. Rousseau, tem um piteco interior.
Que bicho sobrou pra cultivar?
Talvez o mais esquisito… gosto de um chamado gente. É um bicho de mil contrafaces. Mas não é cada uma delas um outro bicho, como qualquer um desses já ditos? Não é essa uma selva muito humana, em que a gente se vê de muitos ângulos, como num labirinto de espelhos? Acho que meus bichos são imagens, talvez sejam sejam menos do que gente, apenas reflexos nos espelhos… ou quem sabe sejam mais que homens, quem sabe tenham asas, sejam anjos!… — caídos, talvez? Não. Nem uma coisa nem outra. Somente homens alados, com certeza, pois as suas são asas de arifício, são puramente teóricas, meros plurais de conceitos trava-línguas… e que se diga então, sem silêncio e de uma vez: quem sabe somente sejam eles os mesmos Dédalos que colocaram tantos e tontos espelhos no caminho!
Pobres animais desnorteados. Ainda pensam que podem voar. Esses meus bichos são malucos mascarados, que se julgam super-heróis. Decerto não deixam de ser o que pensam. São heróis e monstros disfarçados. Mas não, na verdade não são nada disso. Não creio que sejam. São mais como traças, que vivem (roendo ideias) nos meus livros! Meus bichos são cadáveres ilustres. Mas são também fantasmas muito vivos: tentam tomar posse do meu corpo, esses danados parasitas! Que importa? Não me podem tomar mais do que micro pedacinhos. Talvez até o saibam muito bem. Mas ainda vão me mordiscando no caminho, feito pulgas, carrapatos, pernilongos, insistentes borrachudos, sanguessugas… ai que cócegas, que cócegas…!
Desisto.
2/Nov./2012