Postei um pedido de contato, de conversa, na página do Pablo Capilé no facebook. Recebi uma resposta: “Opa, como estás?”. Isto parece coisa de quem está falando em castelhano. Já ouvi o Capilé em videos na net, no Roda Viva, etc… não tinha nem sotaque castelhano.
Aí me pergunto: a página é mesmo do Capilé? Supondo que seja, foi ele mesmo quem escreveu a resposta?
Vá saber!
O que importa é que acabei usando (mais uma de tantas vezes) o facebook como um caderno de rascunhos para o que pretendo publicar aqui. O que escrevi, em resposta à resposta, foi o seguinte.
Acabo de ler parte do pronunciamento feito por um político em defesa do Fora do Eixo, que está postado aqui (na página do Capilé no facebook). E acho sim muito bem detectada uma coisa que está nessa defesa, apoiada aliás em uma outra defesa, feita pelo Nassif. É o movimento público reativo de criminalização do Fora do Eixo.
Concordo que é preciso evitar isso, e minhas próprias manifestações públicas foram talvez um pouco contaminadas por essa tendência. Mas é preciso, é fundamental, compreender o seguinte: não estamos em um país com boa experiência no que se costuma chamar de “confiança”. E querer pregar a pura e simples confiança por si mesma em qualquer tipo de mobilização, é uma péssima ideia, porque simplesmente não cola (e talvez seja bom que não cole, porque isso por ouro lado estimula o senso crítico).
Realizações coletivas envolvem acordos, e acordos, para serem equilibrados (isto é, para não virarem relações de poder) precisam de alguma coisa que ofereça contrapartidas, há um toma-lá-dá-cá entre os envolvidos em que a troca pode envolver as coisas mais variadas, desde amizade, carinho, atenção, prestígio, até dinheiro, bens, serviços, vantagens etc… mas o fundamental, é que exista alguma segurança de que o acordado vai ser cumprido. E este me parece o nó de todo o problema que acaba alimentando essa tendência de criminalização: pessoas se sentindo inseguras nas relações com o Fora do Eixo, e até mesmo se sentindo fraudadas.
Quem são essas pessoas? São pessoas que querem mal o Fora do Eixo? Não. Basicamente, são pessoas que não estão nos círculos de proximidade em que talvez realmente funcionem acertos informais e envolvendo troca de coisas mais “humanas” e intangíveis, menos com “cara de coisa que se troca em mercado”. São basicamente artistas que de algum modo contribuíram para a mobilização do Fora do Eixo sem ainda “fazerem parte” da coisa… e o “ainda”, aqui, já é uma expressão péssima, horrível, porque sugere que todos deveriam fazer parte, ou seja, sugere uma certa recusa de conviver e interagir numa boa com o diferente, o que “não faz parte”.
Acontece que a vida é assim (e pessoalmente acho bom que seja): tem sempre círculos dos quais a gente não faz parte, outros dos quais faz, e graus muito variados nesse “fazer parte”. E a gente não cumprimenta de cara um desconhecido com um abraço e um beijo estalado na testa, a gente nem sabe se o figura gosta desse tipo de coisa. Quem está fora do nosso círculo, e também quem está distante, a gente deve tratar com alguma dose de formalidade, mesmo q não seja muita.
Por que? Para ter condições de ir conhecendo aos poucos, e ir vendo a cada passo se é o caso de conhecer mais ou não, de aproximar os círculos ou não. Essa formalidade traz segurança p quem ainda não sabe se quer se envolver com a gente ou não. Isso é parte do que se chama “civilidade”, “ser civilizado”, ou “saber conviver numa boa com o diferente”.
Acontece que o Fora do Eixo tem um ponto fraco nessa área da formalidade em certas relações, e é um ponto perigoso. Muito perigoso. Especificamente as relações que envolvem acordos de tipo mais capitalista, com pessoas de “fora do círculo”, precisam de formalidade. Acima de tudo aquela da documentação, do registro, que seja feito de modo a garantir segurança na transação.
O que é um acordo de tipo mais capitalista? É qualquer acordo, qualquer um, q envolva troca de elementos que possam ser trocados por dinheiro, que visem essa troca por dinheiro ou que tenham o seu valor medido nesses termos (em dinheiro ou algo considerado equivalente)… capital grosso modo é isso, o que pode ser trocado por dinheiro ou de forma equivalente à de uma troca por dinheiro, ou então é algo que possa ser medido em dinheiro ou de algum modo equivalente. Há capital na forma de bens, de crédito, de serviços etc.
Acordos com os que não são do “círculo íntimo de confiança” e que envolvem isso, precisam de registros formais que garantam segurança para os envolvidos. Precisam. Pq senão alimentam esse tipo de coisa q está sendo chamada de “criminalização”. E alimentam isso com toda razão sim, num país com o histórico de corrupção como o q o nosso tem.
O problema é que a cultura do registro formal implica a criação e o cultivo de uma burocracia, q tende com o tempo a matar boa parte do que há de espontâneo e vivo em mobilizações sociais desse gênero. O cultivo de uma burocracia (que tende sempre a ser crescente) é talvez igualmente perigoso (senão ainda mais) para um movimento popular orgânico.
Então aí vai minha sugestão-desafio pra vocês do Fora do Eixo: q criem uma nova forma de registro oficial, menos formalizada, mais festiva e espontânea, e mesmo assim firmemente registrada com todos os dados necessários para trazer segurança aos envolvidos em um acordo, com cópia completa e idêntica para o parceiro envolvido, de modo q isso possa servir de segurança e garantia.
Estou falando de um recurso diferente dos documentos em papel: estou falando de filmes registrando ponto por ponto cada conversação do gênero, com cópia idêntica para as partes envolvidas e (por que não?) registradas em algum lugar de acesso público. Nada exige q esse tipo de registro seja feito de maneira “sizuda”, “séria” ou “chata”. Importa apenas q tudo fique muito claro no registro, e com todos os dados do acordo bem esclarecidos.
O que está aberto a público nesses termos, e com cópia idêntica para todos os envolvidos, transforma a mídia, o caráter público ou publicável da coisa, em uma uma rede de segurança para os envolvidos. E a cara das pessoas ali claramente fazendo o acordo é algo me parece q tão assegurador de responsabilidades quanto uma assinatura em um documento formal, senão ainda mais. Se todos os dados do acordo estiverem claramente expostos em um filme assim (que pode ser feito inclusive com um mero celular, se for o caso), que importa se o evento q selou o acordo tem um ar sizudo e formal ou um ar festivo e informal, espontâneo? O que é preciso de formalidade para gerar o clima de segurança já está estabelecido.
É apenas uma ideia, coisa para se pensar com mais cuidado a respeito… atenciosamente, João Borba.